sexta-feira, 29 de outubro de 2010




Simplificar

* Por Fabiana Bórgia



É preciso simplificar a vida: cortar as tarefas que não são essenciais e saber curtir o máximo do momento do lazer. Viver os momentos em sua plenitude. Na hora do trabalho, por exemplo, ficar atento apenas a isso. No momento de diversão, esquecer os outros compromissos. É isso.

Simplificar é não trazer tarefas demais. É aceitar a vida da forma como ela se apresenta. Entender que sempre falta alguma coisa. Compreender as fases. De esforço. De dedicação. De abdicação. De entrega. Fase de curtir. De viajar por aí. Férias. Novidades.

Sonhar sim, mas com os pés no chão. Acreditar que tudo é possível dentro do seu possível. Sentir aquilo que realmente lhe toca o coração. Entender que tudo é processo. E que se leva uma vida toda, às vezes, para chegar a determinado patamar.
Viver bem o dia de hoje. Fazer acontecer agora aquilo que depende de você. Já. O amanhã se encarrega de colher aquilo que foi plantado ontem, um ontem que já foi "hoje".

Difícil ser assim: ter asas e saber que seus voos também têm limites, de acordo com o tamanho de suas asas e a velocidade e direção do vento.

Passar pelas tempestades e inundações.Viver períodos de bonanças, farturas, excessos. Sobreviver aos períodos de seca. Saber florir, mesmo quando se quer murchar. É assim que se vive bem.

• Escritora por vocação e advogada por formação. Paulista por natureza e carioca por estado de espírito. Engenheira de sonhos: alguém em eterna construção. Autora do livro “Traços de Personalidade”

quinta-feira, 28 de outubro de 2010




Leia nesta edição:

Editorial – Só um pouquinho de atenção

Coluna Ladeira da Memória – Pedro J. Bondaczuk, crônica “Fale-me de flores”.

Coluna Aventuras em paradoxo – Fernando Yanmar Narciso, crônica “Vem que é bom!”

Coluna Contradições e paradoxos – Marcelo Sguassábia, conto “Piadabras”

Coluna Do Fantástico ao trivial – Gustavo do Carmo, conto “Microcontos - Diálogos”

Coluna Porta Aberta – Raul Fitipaldi, crônica “Po0sso chorar como ‘cabecita negra’”.

Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.

Só um pouquinho de atenção

Boa parte dos problemas que afligem uma quantidade imensa de pessoas mundo afora, tão grande que se torna impossível de quantificar, mas que ascende a alguns bilhões, é a sensação onipresente de solidão. É a falta de compreensão alheia e a imensa dificuldade humana de comunicação. Vocês talvez tenham estranhado essa afirmação. Pois é isso mesmo o que ocorre com enjoativa freqüência. Basta observar atentamente. Raros não se sentem sozinhos e o tempo todo.

Reitero o que escrevi em inúmeros artigos e ensaios que, “se sentir só” é não apenas estar em um lugar isolado, em que não haja ninguém. Posso sentir-me assim (e geralmente eu e praticamente todo o mundo se sente) em meio a grandes multidões. A verdadeira solidão, a que dói demais e deixa profundas marcas psicológicas e afetivas, é a caracterizada ou pela ausência ou pela deficiência de contatos efetivos entre pessoas. É, pois, como afirmei, uma falha (se não falta) de comunicação.

Concordo com Milan Kundera quando escreve em seu “O livro do riso e do esquecimento”: “Toda a vida do homem entre seus semelhantes nada mais é do que um combate para se apossar do ouvido do outro”. Observe-se que o escritor checo não quis referir-se, aqui, especificamente, ao órgão auditivo. Quis dizer que nos empenhamos a todo o momento para obter e conservar a “atenção alheia”, e quanto mais, melhor. Até porque, os “desabafos” não ocorrem, somente, por via oral, mas também por textos (e hoje, com o advento da informática e da internet, mais do que nunca. Recebo, diariamente, dezenas de emails de pessoas expondo suas angústias e dificuldades. Não lhes nego atenção. Só lhes peço que não queiram conselhos meus, pois não sei o que lhes dizer).

Notem, por exemplo, o que ocorre em uma conversa informal qualquer. São raros os participantes desses papos, por mais descontraídos que sejam, que se dispõem a apenas ouvir. Todos querem falar (não importa o que), muitas vezes ao mesmo tempo. Quem mais ouve, calado (ou que assim pareça), passa a ser o personagem principal, o interlocutor mais requisitado nesses papos. Como se vê, “todos batalham, e o tempo todo, para se apossar dos nossos ouvidos”. Pôr para fora problemas, temores e mágoas é importante, importantíssimo. E ouvi-los? Também considero que seja.

Gosto de ouvir as pessoas. Daí, certamente, contar com certo grau de popularidade nas tais rodas de amigos. Faço isso, todavia, é bom que se esclareça, não por generosidade, mas pelo contrário, por motivos, digamos, bastante egoísticos. Aprendo demais sobre o comportamento, as neuroses, os terrores e os anseios de um monte de gente ouvindo o que esse pessoal tem a dizer. E como escritor, esse aprendizado é precioso e essencial, porquanto (óbvio) escrevo sobre pessoas, para outras pessoas lerem.

Cheguei à conclusão que o melhor que podemos fazer, em favor de quem precisa de ajuda, não é, por exemplo, lhe dar dinheiro para adquirir bens, nem comida para alimentá-lo, muito menos roupa para vesti-lo ou um teto para abrigá-lo. Podemos e devemos fazer isso emergencialmente. No longo prazo, todavia, a verdadeira generosidade consiste em ensinar essa pessoa a obter tudo o que precisa, mas com os próprios recursos. Trata-se da velha máxima de, em vez de dar um peixe ao faminto, ensiná-lo a pescar. Dessa maneira, não saciará a fome só uma vez, mas sempre que a tiver. Também concluí que ouvindo, atento, seus desabafos, por mais longos, monótonos e incoerentes que sejam, presto-lhe imensa ajuda, mesmo que não lhe diga uma única palavra. Acabo, nesses casos, fazendo as vezes de um psicanalista.

Carlos Bernardo González Pecotche, “pai” da Logosofia, observa: “A maior obra de caridade se constitui em estender a compreensão básica do que cada homem pode fazer em seu próprio benefício”. Ou seja, devemos ajudar o desvalido a se ajudar, mesmo que à sua revelia. Por comodismo, ele vai resistir a essa tentativa. É mais fácil pedir! Devemos, no entanto, ser inteligentes e persuasivos o suficiente para convencê-lo de que esse é o único caminho para a sua redenção e progresso. Isso quando se dispõe a ouvir-nos. Se não se dispuser, não nos custará muito disponibilizar-lhe nossos ouvidos.

Há pessoas cuja simples presença ilumina o ambiente em que se encontram, traz alegria ao nosso coração e nos leva a esquecer problemas, mágoas e preocupações. São as que têm o dom de encarar a vida sob um prisma positivo. E, mais do que isso, de nos convencer que nossos sofrimentos não são tão profundos como achamos e que nossas alegrias são maiores do que de fato são. Têm carisma, magia, e o dom da empatia. Partilham pensamentos e sentimentos nobres. Tentemos ser assim. Basta querer. Quando falarmos, evitemos de ser derrotistas, com pensamentos e sentimentos negativos.

Há pessoas que vivem, o tempo todo, a se lamentar. Encontram defeitos reais ou imaginários em tudo e em todos. Contagiam-nos com seu pessimismo e fazem com que fujamos da sua companhia, desagradável e negativa. Ainda assim, sejamos generosos. “Emprestemos-lhes” nossos ouvidos, para que elas ponham para fora tudo o que as amedronta, deprime e infelicita. Sejamos, em nossa conduta diária, na medida do possível, os que iluminam o caminho e consolam quem necessite de consolo. Façamos como o poeta Paul Claudel expressa num magnífico poema: “Que todos os que se aproximarem de mim tenham vontade de cantar, esquecendo as amarguras da vida”. Ofertemos ao próximo aquilo que para ele pode ser o bem mais precioso e que mais necessite: um pouquinho que seja da nossa atenção.

Boa leitura.

O Editor.






Fale-me de flores


* Por Pedro J. Bondaczuk

O computador (e principalmente a mais utilizada das suas tantas funções, que é o acesso à internet) se tornou ferramenta indispensável para os que lidam com textos: jornalistas, escritores, publicitários etc. Além de acabar com os borrões, as rasuras, as folhas e mais folhas de papel amassadas e jogadas no lixo, do tempo da máquina de escrever, confere, ao redator, agilidade, presteza e, sobretudo, organização.

Outra coisa que essa máquina fantástica pôs fim foi à bagunça na biblioteca. Agora, quando quero pesquisar algum dado, indispensável num texto que esteja escrevendo, não preciso mais revirar meus livros, irritado e afoito com a perda de tempo, à cata da tal informação. Basta apelar para o Google (ou qualquer outro serviço de busca), para completar a pesquisa rapidinho, em tempo recorde, com ordem e com eficiência.

Mas a maior ajuda que o computador me dá é a de proporcionar interatividade com o público leitor, e não mais somente da minha cidade (como nos tempos de jornal), nem apenas, eventualmente, do Estado ou até mesmo do País. Conquistei afetos (e desafetos) em diversas partes do mundo (sem nenhum exagero), como Japão, Austrália, Estados Unidos, Canadá, Holanda, Finlândia, Bélgica e vai por aí afora. E essas pessoas não se limitam a opinar sobre minhas crônicas, contos e poemas, mas chegam a me pautar.

Raro é o dia (não me lembro de nenhum) em que não me sugerem temas para serem desenvolvidos. Nem todos, claro, estão bem-intencionados. Alguns fazem isso como uma espécie de desafio, para testar a minha cultura e minha agilidade mental. Outros agem assim até por brincadeira, apresentando assuntos que aparentemente não se prestam a crônicas e que, por ironia, acabam se constituindo nas melhores sugestões. Outros, até, querem apenas confrontar idéias, para ver se as minhas são iguais às suas.

Um dos temas mais recentes que me foram sugeridos (neste caso, foi praticamente imposto), foi o das flores. Um leitor pediu que escrevesse a respeito, mas “objetivamente”, sem divagações e sem recorrer a artifícios, digamos, poéticos. Embora pareça de uma simplicidade franciscana, creio que ficarei devendo a essa pessoa. Primeiro, para escrever com objetividade sobre o assunto, eu precisaria ser botânico (o que não sou). Segundo, porque as flores, tirando o seu aspecto decorativo, não servem para praticamente nada (a não ser para fabricar perfume ou servir como matéria-prima para o mel, mas não sou abelha). E terceiro, porque tenho um trauma com a utilização delas comercialmente. Explico.

Um poeta raramente tem tino para negócios. Da minha parte, confesso, não tenho nenhum. Há mais de 30 anos (em 1978), cismei de abrir uma floricultura. Como não entendia patavina do assunto, contratei um excelente floricultor. Encontrei um ponto perfeito, na cidade, investi o que tinha e o que não tinha em vitrines, balcões etc., gastei uma bolada em publicidade, mas.. não deu certo. Não consegui, sequer, recuperar metade do investimento feito. Para não afundar, de vez, em dívidas, resolvi fechar o negócio e me dedicar, apenas, ao que sei fazer bem (ou relativamente bem, como queiram): escrever.

Observem que embarquei nessa atividade com a cabeça de poeta e não de negociante. Até o nome da floricultura tinha um quê de poético: “Tulipa Escarlate”. “Por que não vermelha, que é um termo mais simples?”, perguntará, com certeza, o crítico leitor, vislumbrando nesse nome um quê de pedantismo da minha parte. Sei lá! Foi a primeira denominação que me veio à cabeça. Fui traído, provavelmente, pelo subconsciente, pois este é o título de um dos meus poemas preferidos, dos tantos que escrevi.

Como se vê, não sou a pessoa mais indicada para escrever, pelo menos com objetividade, sobre flores. Meus conhecimentos sobre botânica, por exemplo, são superficiais. São aqueles mesmos que adquiri nas aulas de Biologia do antigo curso científico (hoje denominado de Ensino Médio) no Colégio Cesário Mota de Campinas. Dão para o gasto (afinal, fui um rematado CDF), mas estão muito longe de me tornar especialista na matéria. Já minha experiência prática, conforme expus acima, foi, no mínimo, desastrosa.

Mas não vou frustrar, de todo, o caríssimo leitor. Se não consigo falar, objetivamente, de flores, o faço poeticamente. Aliás, já fiz isso dezenas de vezes. Trago, pois, à sua apreciação um dos poemas que escrevi sobre o tema, composto em abril de 1967, intitulado “Ternamente”, e que, à certa altura, tem uma estrofe que repete ao seu apelo (ou seria ordem? Ou seria desafio? Ou seria uma tentativa de me expor ao ridículo?): “Fale-me de flores,/mostre-me flores,/oferte-me flores./Seja, você, também,/uma flor rubra/de carinhos e de sonho,/assim, de mansinho,/ternamente”. Serve, caro leitor? Agora, devolvo-lhe a bola: fale-me de flores!!! Pode ser em linguagem poética, não me importo!


*Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com

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O que comprar:

Cronos e Narciso (crônicas, Editora Barauna, 110 páginas) – “Nessa época do eterno presente, em que tudo é reduzido à exaustão dos momentos, este livro de Pedro J. Bondaczuk reaviva a fome de transcendência! (Nei Duclós, escritor e jornalista). –
Preço: R$ 23,90.

Lance fatal (contos, Editora Barauna, 73 páginas) – Um lance, uma única e solitária jogada, pode decidir uma partida e até um campeonato, uma Copa do Mundo. Assim como no jogo – seja de futebol ou de qualquer outro esporte – uma determinada ação, dependendo das circunstâncias, decide uma vida. Esta é a mensagem implícita nos quatro instigantes contos de Pedro J. Bondaczuk neste pequeno grande livro. –
Preço: R$ 20,90.

Como comprar:

Pela internet
WWW.editorabarauna.com.br – Acessar o link “Como comprar” e seguir as instruções.
Em livraria – Em qualquer loja da rede de livrarias Cultura espalhadas pelo País.










Vem que é bom!

* Por Fernando Yanmar Narciso

É fácil ficar feliz quando a gente é criança. Com ajuda de uma imaginação fértil um graveto no chão pode virar um sabre de luz ou a marreta biônica do Chapolin Colorado. Eu que o diga: Ainda sou fanático por gravetos!
Apesar de ter sido hipercinético durante a infância, passei a maior parte daqueles golden years na frente do “caixotão preto” (Well, no meu caso uma Telefunken de madeira e uma Philco-Hitachi com controle remoto embutido – AQUILO sim era TV!). Ainda tenho dúvidas, se a programação da TV era uma porcaria e a mente da criança lhe dava magia, ou se os programas infantis eram mesmo superiores aos de agora. Entre Xuxa e Bozo, adivinhem quem eu preferia? Entre Beakman e X-Tudo? Entre Vila Tiririca e Castelo Rá-tim-bum? OK, peguei pesado dessa vez…
A melhor coisa era juntar a cambada de primos nas férias na casa de minha avó pra acampar na sala de TV nos fins de semana. Brincar com o Castelo de Greyskull e os bonequinhos de Jaspion e Comandos em Ação, montar pistolinhas com Lego e fazer bang-bang no alpendre, balançar na rede até ela quase se rasgar, bancar o Homem- Aranha e escalar as paredes do corredor, subir nos pés de araçá, pitanga e seriguela. E, às 4 da tarde, arrematar uma bacia inteira de pururuca salgada com suco, ou fatias de pão com margarina Alpina e café melado. Aaaaaaah, cada lembrança…
Na TV, se não estávamos vendo os Trapalhões, Van Damme e Karatê Kid na Sessão da Tarde, heróis e desenhos japoneses estavam a 6 botões de distância. E ninguém reclamava da programação, pois ainda existia a Sessão Aventura no fim da tarde com Magnum, McGyver e, dependendo do humor de Roberto Marinho, algumas séries japorongas esquecíveis, como Shaider e Bicrossers. Mas nós que não nos atrevêssemos a dar um pio durante a novela ou o noticiário! Naquele tempo, até ficar olhando feito um babaca pro color-bar do SBT às 6 da matina ou para a tela preta de “contagem regressiva” da Manchete era socialmente aceitável entre os pirralhos. Mas, como o progresso manda, em 1997 aquela caixa de madeira de 20 polegadas foi jogada pela janela e substituída por uma (na época) faraônica televisão Gradiente de 34 polegadas!
Um verdadeiro orgasmo televisivo! A família toda se reunia em volta do paquiderme para admirar seu tamanho descomunal, mesmo quando estava desligada. Claro que uma TV enorme pede por uma variedade maior de canais. Os oito que haviam nos acompanhado até então não eram mais suficientes. A Mastercabo (Na época Vídeo Cabo), empresa de TV por assinatura seminal da cidade, veio nos salvar. Para alguém acostumado a ver TV Cultura, Globo, Band, SBT, Record e Manchete desde que nasceu, acrescentar mais 25 canais – quantidade absurda na época para um bando de jacus que nem a gente – era o Jardim de Éden televisivo!
Apesar de ainda ser uma empresa de fundo de quintal e os canais viverem dando “creca”, continua acompanhando minha vida mesmo depois de a minha avó ter morrido. Naquele tempo, canais por assinatura PARECIAM de fato canais por assinatura. Todos eram mais coloridos, agitados e opostos em absoluto à sisudez e à caretice da TV aberta. Dos 13 aos 16 anos, contava os dias de semana que faltavam até eu poder me deitar no colchonete naquela sala de TV e varar a noite assistindo o canal por assinatura mais importante de toda minha vida: CARTOON NETWORK! Não riam, por favor.

Meu primeiro contato com esse canal foi em 1996, em Belo Horizonte. Havia um Pizza Hut onde fica hoje a Drogaria Araújo da Savassi, que exibia o canal às sextas num telão no pátio. Era um canal tão vanguardista, tão esquizofrênico, tão cheio de… De animações amadoras vindas de todos os cantos do mundo (eles colocavam no ar QUALQUER COISA, desde que fosse animado), e com umas vinhetas tão bizarras e absurdas, envolvendo montagens tanto de personagens clássicos como modernos, que só podia capturar meu coração!
Ficava até 1:30 da madruga fazendo um esforço hercúleo para continuar assistindo e depois acordava às 5 para voltar ao “batente”. Por incrível que pareça, na época valia – e MUITO! – a pena encarar essa maratona. Desenhos clássicos e novidades eram mesclados à perfeição, não havia horários ingratos, sequências de Pernalonga e Patolino, Popeye, Tom & Jerry, Hanna-Barbera, Speed Racer, G-Force, Space Ghost, etc. ocorriam quase toda semana. Era um primor de canal! Mas aí…
Lição de vida, kids: Toda vez que um canal muda sua identidade visual, a programação piora. A Globo vem nos ensinando isso desde que “Titio Roberto” era vivo, e com o velho Cartoon Network não foi diferente. Em 2005 veio a primeira mudança estética em 13 anos. Saíram as cores fortes, o ritmo frenético e as vinhetas surreais e entraram as misturas de animação tradicional com CG (Computação gráfica) e o clima gélido das produções modernas. Os narradores engraçadinhos ou morreram ou saíram do canal, dando lugar a uma narradora que, se não tiver sido escolhida num aeroporto, eu não entendo nada de televisão. Sem falar na miserável época do design minimalista, que se encarregou de detonar a logomarca clássica do canal, que chama tanto a atenção como um copo cheio de ar. Uma lástima, considerando como o canal já foi maravilhoso…
E, como o que importa é me lembrar daqueles tempos em que eu fui feliz, o Cartoon Network de 92 a 2004 permanece insuperável. Cartoon a-doodle-doo!

* Fernando Yanmar Narciso, 26 anos, formado em Design, filho de Mara Narciso, escritor do blog “O Blog do Yanmar”, http://fernandoyanmar.wordpress.com




Piadabras

* Por Marcelo Sguassábia

Ilustração: Marco Fraga

Piada, anedota ou patacoada, como diziam os mais antigos. Chame como quiser. O que importa é que todos saibam que as piadas não nascem do nada, sem pai nem mãe. Elas existem com o propósito definido de anestesiar o populacho e há uma superestrutura que as orquestra, diretamente subordinada aos altos escalões da administração pública federal. Uma espécie de serviço de inteligência, com a diferença de que não há realização de concurso para provimento de cargos, sendo seus integrantes contratados com base nos critérios de notória competência e especialização. Digo isto de cátedra, pois sou parte desta indústria. Desta desconhecida e desvalorizada indústria. Sim, amigos, as piadas têm autores e os autores têm cotas de novas piadas a conceber, da mesma forma que os boias-frias têm suas cotas diárias de cana para cortar.
Não estou autorizado a revelar a localização geográfica da nossa organização. Posso afirmar apenas que ela funciona nas antigas dependências de uma desativada autarquia nos arredores de Macapá, bastante utilizada para a tortura de subversivos nos tempos da ditadura militar. São sete pavimentos que funcionam em três turnos, servidos por elevadores de última geração, ar condicionado central, serviço de buffet e assim divididos:

1º andar: Piada de salão;
2º andar: Piada suja;
3º andar: Piada de papagaio;
4º andar: Piada de humor negro;
5º andar: Piadas de português, de turco, de sogra e de loira;
6º andar: Adivinhas, do tipo o que é o que é. De 1982 a 1995 tínhamos dentro deste pavimento o setor “Qual o nome do filme?”, mas a partir de 1996 a fórmula se desgastou e a subdivisão foi extinta.
7º andar: Setor de Reciclagem – piadas velhas são recolhidas, reformadas com outra roupagem e novamente espalhadas. É um valioso dispositivo em tempos de entressafra, quando há escassez de fatos engraçados que inspirem a renovação do anedotário.

Engendrada a anedota, o piadista aciona um botão verde ao lado do seu monitor. Em não mais de 40 segundos aparece, movido a patins, um carrancudo do setor de Controle de Qualidade, para aferir se a piada tem ou não o nível mínimo de graça para que se espalhe. Os carrancudos são em geral pessoas nas quais o riso dificilmente aflora – como mutilados de guerra, deprimidos, pacientes bipolares, torcedores do América e gente oriunda de outras categorias de infelizes. Um risinho de canto de boca dessa turma já garante a passagem da piada para as duas próximas etapas de produção: o burilamento e a redação final.

Até há pouco tempo dispúnhamos um número quatro vezes maior de contadores, funcionários que saem às ruas para espalhar as piadas recém-paridas, infiltrando-se em rodas de bar, quadras de bocha, cafés, clubes da terceira idade e outros pontos estratégicos de propagação. Com a internet o processo mudou bastante, pois temos bancos de dados gigantescos contendo milhões de mailings com bilhões de nomes, o que faz com que a piada se propague pelo planeta em dez minutos ou menos – dependendo da graça, do arsenal de anti-spams dos destinatários e das mensagens de caixa postal cheia.

Ao contrário do que se poderia supor, nossa rotina não tem nada de engraçada. Ganhamos mal, mas em compensação não nos divertimos nem um pouco. Pegue uma piada clássica, como aquela do avião caindo com um brasileiro, um americano, um francês, um italiano e um português, na qual o lusitano salta com um frasco de “Para Queda de Cabelos”. Uma joia desse quilate é resultado de elaboração minuciosa, onde se promovem brainstorms que reúnem até altas horas três, quatro ou até mais piadistas, em mesa redonda e servidos por porções de mandioca frita e doses cavalares de conhaque. Tal rotina, dia após dia, desgasta, adoece e afasta por invalidez. Mas não há outra alternativa.Há décadas que a sociedade não gera por si mesma quantidade suficiente de piadas, por falta de tempo e inspiração. E o baixo estoque delas é, para o sistema público de saúde, um problema tão grave quanto o déficit de sangue nos hospitais.

Recentemente foi descoberta uma fraude na liberação de um lote de novas piadas, que estavam prontas para serem espalhadas porém ainda não tinham passado pelo Controle de Qualidade. Um grupo de piadistas inescrupulosos rendeu à força o bipolar de plantão, responsável pelo OK final, e enquanto um dos criadores lia para ele as piadas os demais faziam cócegas em suas axilas e pés para forçar o riso. O escândalo, no entanto, foi abafado e os envolvidos julgados por tribunal interno, que decidiu pelo afastamento temporário de dois deles: o que manipulava a pena de ganso na axila esquerda da vítima e o que contava, com requintes de crueldade, as piadas em alto e bom som.

* Redator publicitário há mais de 20 anos, cronista de várias revistas eletrônicas, entre as quais a “Paradoxo”



Microcontos – Diálogos

* Por Gustavo do Carmo

ANÚNCIO



Cláudio, eu perdi o bebê. —Que pena, amor! Podemos fazer outro depois. — Não! Estou anunciando só para avisar que eu não preciso mais me casar com você. Não tenho mais nenhuma ligação contigo. Some da minha vida.


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VIDA


Eu não posso mais viver sem você. —Pode sim. Está vivendo agora.


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DESEJO:


Amor! Tô com desejo de comer joelho. Implora a mulher grávida para o marido. — Não vou sair nessa madrugada. E nem vem com chantagem que é com essa cara mesmo que ele vai nascer.




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DESEJO 2:


Amor! Tô com desejo de comer joelho de porco. Implora a mulher grávida para o marido. — Não vou sair nessa madrugada. E nem vem com chantagem que é com essa cara mesmo que ele vai nascer. — De porco? O marido foi à churrascaria no outro lado da cidade comprar o joelho de porco.




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DOUTOR:


Doutor, preciso desabafar: estou sentindo que tem uma espada na minha cabeça. —Fica tranqüilo. Não é uma espada. É um arpão.


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ENTERRO:


Dois amigos conversam: — É triste quando um pai enterra o seu próprio filho. — Mas é um absurdo quando o pai enterra o próprio filho vivo.


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NETO:


Dá um neto pra mim, minha filha? Pediu a bondosa e conservadora sogra à recém-apresentada namorada do seu filho. — Eu adoraria, mas não posso agora. Ainda sou casada.


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VERGONHAS:


CUBRA AS SUAS VERGONHAS! Gritou o velho para a filha rebelde nua na piscina. — Esses aqui não são minhas vergonhas. São meu orgulho, papai! Disse a jovem sobre seus fartos seios.

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IDEAIS:


Por que um homem gentil como você é tão burguês? — E você, uma mulher tão bonita, comunista? Deixaram as diferenças de lado e se amaram para sempre.

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ESTUPRO:


Você está me estuprando? — Sim, estou. — Então continue.


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* Jornalista e publicitário de formação e escritor de coração. Publicou o romance “Notícias que Marcam” pela Giz Editorial (de São Paulo-SP) e a coletânea “Indecisos - Entre outros contos” pela Editora Multifoco/Selo Redondezas - RJ. Seu blog, “Tudo cultural” - www.tudocultural.blogspot.com é bastante freqüentado por leitores