quinta-feira, 4 de outubro de 2018

Fábrica de nudes - Marcelo Sguassábia


Fábrica de nudes



* Por Marcelo Sguassábia


Eu não vou te estuprar, dona. Só quero que tire a roupa devagarinho, mas juro por todos os meninos do meu barraco que não vou relar um dedo na sua pessoa, tá me entendendo? Eu sou contra esse negócio de ganhar na porrada, na ameaça, no cano do três oitão, sabe como é?

Então, agora é só ir me obedecendo que em dois minutos tá dispensada. Te devolvo sem um arranhãozinho, sem um descascado no esmalte da unha.
Me dá o celular. Isso, com calma, não precisa tremer, vai abrindo a bolsa. Nenhum movimento brusco, me faça essa gentileza. Não gosto de violência, não quero ser bruto com a senhora, de jeito nenhum.

Sabe, dona, desse momento eu só quero lembrança boa. Os meninos lá no meu barraco estão com uma fome do cão, mas isso não me dá o direito de sair matando pra conseguir um dinheirinho – o pouco que baste pra que a barriga deles ronque um pouco menos. O que eu ganho é pro gasto, não sou ambicioso, longe de mim querer ficar rico fazendo isso. É só pros mantimentos, mesmo.

Outros tempos, dona, tem que ter bons modos na contravenção. O ladrão cidadão, sabe como é? Ser respeitoso com a vítima, que é o nosso ganha-pão. É a minha divisa, meu jeito de lidar com esse mundo aí, carente de valores.

O sutiã também, faz favor. É. Fique envergonhada não, tô acostumado já. E é do jeito que eu falei, só quero uma lembrança da minha estima pela senhora.

Olha, vamos fazer uma coisa, pra te deixar mais à vontade eu fecho a porta do mictório enquanto você tira tudo. Quando estiver pronta, é só me chamar e abrir o trinco, tá combinado? Repito e prometo que não vou te encostar a mão, pode confiar.

Isso… dá um sorriso sensual agora, faz de conta que está tudo bem. Agora só um instante que eu vou enviar a fotinho descontraída da senhora pro meu e-mail, de recordação… pronto, tudo certo, sem sofrimento pra ninguém, que assim é bem melhor.

Por favor, aguarde meu contato. A gente vai se falar bastante daqui pra frente. Mas fica tranquila que a senhora não vai mais precisar olhar pra minha cara nunca mais, basta que siga direitinho as minhas instruções.

Muito bem, agora pode vestir a roupa. E o celular aqui, tô devolvendo pra senhora, não vou querer levar. Não acho certo a gente ficar com o que é dos outros. Só boas lembranças, isso sim é o tesouro mais valioso que a gente leva dessa vida. A senhora não acha?

* Marcelo Sguassábia é redator publicitário. Blogs: WWW.consoantesreticentes.blogspot.com (Crônicas e Contos) e WWW.letraeme.blogspot.com (portfólio).




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