quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Carta 6 - De Atahualpa paras Katty - Urda Alice Klueger


Carta 6 – De Atahualpa para Katty


* Por Urda Alice Klueger


Oi, Katty,
Depois de amanhã eu vou fazer 11 anos. A Urda esteve me contando de novo, nesta semana, o que aconteceu: onze anos atrás eu era um bebezinho todo molhadinho, dentro da barriga daquela mamãe da qual não me lembro, e aí chegou o dia de eu nascer e eu nasci, com outros irmãozinhos. Fico todo bobo quando a Urda me conta como eu era, beiçudinho e já com fome, andando pela barriga da mamãe à procura de uma fonte de leitinho quente, e fico muito emocionado e paro tudo para prestar atenção enquanto ela conta tais coisas, pois deve ter sido muito fascinante mesmo fazer mommm mommm mommm tomando o leite da mamãe, e a Urda imita tão bem! Gosto mesmo de ouvir essa história – e também a continuação dela. Um dia eu já não precisava mais mamar e então fui levado para aquela agropecuária onde a Urda me achou e me levou para a vida dela. Daí para a frente você já sabe. Tirando algumas coisas graves, como quando a caminhonete passou em cima de mim no estacionamento do Angeloni, e eu não quebrei nenhum osso e nem furei qualquer órgão interno, acho que tenho sido um cachorro bem feliz, que já passeou por muitas cidades, escolas e universidades, e até foi a um lugar longínquo como o Rio Grande do Sul. Agora ando pouco por aí, pois aos 11 anos já não sou mais um cachorro novo e tenho algumas manias, além de ficar muito cansado quando faço muitas coisas. Nem às reuniões do PT eu tenho ido mais.
A nossa casa nova é muito legal e tem uma porta de cachorro, e eu e os manos podemos ir para fora e para dentro quantas vezes queiramos, até mesmo em dias de chuva. Aqui, além da praia e dos dois pomares, tem uma floresta contígua, e se está muito quente, ao invés de ir para a praia vamos passear na floresta, onde a Urda aproveita para comer amorinhas silvestres vermelhas, e nós fazemos xixi por tudo. Outros cachorros da rua vão junto, e é uma festa ir lá!
Estaria tudo 100% se não fosse o sumiço da Manuelita Saens, já faz uns 12 dias. Nós sempre temos alguma esperança de que ela volte, mas a Urda até já conversou com a veterinária e não há muito o que esperar. A veterinária descartou a possibilidade de que pudesse ter sido veneno, e falou em coisas como infarto e até predadores. Sabe como é, aqui é a beirada da Reserva Ecológica do Parque da Serra do Tabuleiro, e Manuelita sempre foi uma gata muito independente, andando preferencialmente nos matos. Ouvi a Urda dizer: “Que tenha sido rápido e sem dor”, mas depois ela chorou uma tarde inteira. Ainda bem que ficou o livro dela.
Katty, era só para contar isto. No mais, tenho visto todo o mundo um pouco nervoso por causa das eleições, e a Terezinha de Blumenau veio aqui e trouxe um pacote de ossos de churrasco de igreja para mim. Que querida, né?
Minha amiga Antônia vai bem e andou até comprando brinquedos especialmente para mim, que ficam lá na casa dela. É uma fofa, e quando vou lá, volto entupido de tanto biscoito!
Fiz exames por causa da idade mas continuo um cachorro jóia, brincador, corredor, galopador e até nadador. Todos os cachorros da redondeza me obedecem. Sou um cão feliz!
Deixo um abraço e muitas lambidas, 
Atahualpa Klueger 
Escrito no Sertão da Enseada de Brito em 30 de setembro de 2018.

* Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR, autora de vinte e cinco livros (o 25º lançado em maio de 2018), entre os quais os romances “Verde Vale” (dez edições), “No tempo das tangerinas” (12 edições) e “No tempo da Magia”.



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