quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Edcitorial - Apropriação de personagens


Apropriação de personagens


O que você acha da nova tendência que começa a se manifestar na literatura, de um determinado escritor se apropriar de personagens criados por outro, embora (como seria de se esperar) tenha estilo muito diferente do que os criou? Da minha parte, não gosto. Considero, até, como uma espécie de plágio. Além do que, revela falta de imaginação para criar seus próprios tipos. Mas, acompanhando o noticiário do mundo das letras, fiquei sabendo de pelo menos dois casos desses, e não de apenas um, revivendo personagens famosos e já consagrados.

Na Inglaterra, por exemplo, o personalíssimo detetive Sherlock Holmes volta à ativa, vivendo novas aventuras de mistério e de suspense, mas, desta vez, não através da pena hábil e inspirada de seu criador, o escritor Arthur Conan Doyle, mas de seu compatriota e admirador Anthony Horowitz. O romance, com esse ícone das histórias policiais foi lançado em setembro de 2011. O livro, que ainda não tem título em português, provavelmente vendeu bastante, até em decorrência da curiosidade. Leitores compulsivos de Conan Doyle, entre os quais me incluo, certamente leram ou irão ler a história do “renascimento” de Sherlock Holmes em busca de semelhanças e diferenças do original.

Posso estar sendo muito severo e radical. É bem possível que os leitores discordem da minha opinião (o que, aliás, é bastante saudável, desde que essa discordância ocorra em alto nível, de forma educada e respeitosa), mas considero a atitude de Horowitz, escritor bastante jovem (tem 53 anos de idade), uma grande apelação. É verdade que ele não se apropriou, sem mais e nem menos, do célebre personagem, mas obteve autorização para agir assim dos detentores dos direitos autorais de Conan Doyle. Ainda assim... Está aí um bom assunto, suficientemente polêmico, para vocês opinarem.

Mas não foi, apenas, Sherlock Holmes a ser “ressuscitado”, na indefectível companhia do seu excêntrico e fidelíssimo parceiro, o Doutor Watson. James Bond, o acrobático e cheio de truques agente 007, criado pelo também britânico Ian Fleming, teve, igualmente, esse “privilégio” (ou seria “desgosto”?). O escritor que escreveu um novo romance, contando suas aventuras, é o norte-americano Jeffery Deaver. Este livro, ao contrário do de Horowitz, tem o título de “Carte Blanche”. Foi lançado, simultaneamente, na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos no mesmo dia (se não fosse, aliás, não seria simultâneo, não é mesmo?), em 26 de maio de 2011. As editoras, porém, foram diferentes. No reino da Rainha Elizabeth II, é a Hodder & Stoughton. Já na terra de Tio Sam, a publicação ficou a cargo da Simon & Schuster.

Jeffery, a exemplo de Horowitz, também contou com a autorização dos detentores dos direitos autorais de Ian Fleming. Mas há uma diferença entre ambos. O primeiro, foi apenas “autorizado”. Ou seja, tomou sozinho a iniciativa de reviver o Sherlock. Já Deaver ressuscitou James Bond a pedido da família de seu criador. E o agente 007 vive sua nova aventura na localidade da moda atual, ou seja, em Dubai, nos Emirados Árabes.

Aliás, recentemente, Sebastian Faulks já trouxe o espião cheio de truques do serviço secreto britânico de volta, no livro “Devil Mary Care”, que logo, logo estará nas telas do cinema. A bem da verdade, embora ninguém tenha informado a respeito, estou certo de que o enredo de Jeffery logo, logo, também ganhará sua versão cinematográfica.

No caso do excêntrico detetive inglês, Horowitz observou, em recente entrevista que concedeu à rede BBC de rádio e televisão, em Londres: “Apaixonei-me pelas histórias de Sherlock Holmes quando tinha 16 anos e eu as leio e releio desde então muitas vezes”. O escritor, porém, assumiu solene compromisso com os amantes deste conhecidíssimo (e amado) personagem: “O Holmes será exatamente o Holmes dos livros de sir Arthur Conan Doyle. Não quero tomar liberdade com um personagem tão icônico”.

Mas isto é possível? Afinal, os contextos e circunstâncias de vida dos dois escritores são absolutamente diferentes. E, por consequência, as mentalidades de ambos. Conan Doyle viveu em uma Inglaterra poderosa, governada pela Rainha Vitória, que centralizava um império “onde o sol jamais se punha”.

Horowitz\, por seu turno, nasceu e vive num país que perdeu muito da sua importância internacional, que agora se restringe, praticamente, à sua ilha e um ou outro território fora dela . Está longe, muito longe, de ser a potência que já foi. Teve que abrir mão de praticamente todas suas colônias, que, a rigor, sustentavam seus luxos e extravagâncias no passado.

Da minha parte (e não me entendam mal, não quero me comparar nem a Ian Fleming e muito menos a Conan Doyle), não gostaria que ninguém, por mais talentoso que seja e por melhores que sejam suas intenções a meu respeito, se apropriasse de personagens que já criei, estou criando e que ainda vou criar. Que cada qual invente suas histórias, e seus protagonistas, sem se apropriar das ideias de ninguém (e principalmente das minhas que, embora canhestras, são muito íntimas e particulares). Mas que Deaver e Horowitz têm tudo para faturar alto e engordar ainda mais suas respectivas contas bancárias, ah, isso têm de fato, não dá para negar.


Boa leitura!

O Editor.

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