quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Pena máxima para a mentira!


* Por Mara Narciso


Não levantar falso testemunho”
       
A mentira não é um dos Sete Pecados Capitais, tem status maior, sendo o oitavo dos Dez Mandamentos escritos por Deus nas Tábuas da Lei, e dados a Moisés no Monte Sinai. Desde os primórdios da civilização tenta, com os outros nove, organizar a sociedade, e vem, através dos milênios, acompanhando a humanidade e se adaptando a cada época.

Primariamente, verdade seria o oposto da mentira. Mas, o que é a verdade?  “Conformidade com o real, exatidão, realidade”, mas tem sido algo completamente maleável e adaptável ao interesse de cada grupo, com uma plasticidade surpreendente, mudando com os anos, com as estações, com os dias e até mesmo ao sabor das horas, adquirindo contornos assombrosos.

A mentira bem contada tem vida longa, podendo se eternizar na História como fato acontecido, até com documentos para comprová-la. Muita coisa ensinada é calcada em falsidade. Por isso não se deve agarrar a uma versão como se fosse a única possível. A avaliação dos acontecimentos depende do ponto de vista e este de algum interesse. Uma mesma ideia pode ter interpretações e valorizações opostas, e isso não implica em má intenção. Excluindo-se a paixão, quem acredita passa para frente como se fosse fato. O tempo faz aumentos e diminuições, distorcendo o acontecido. A experiência mostra isso, desde as dinâmicas em sala de aula. Em poucas versões e interpretações, um caso vira seu oposto. No Jornalismo, a escolha do entrevistado e das palavras transforma uma notícia em outra, daí a importância da isenção e exposição de dois pontos de vista. Em caso contrário é panfleto.

Quando a intenção é contar a verdade a falha na memória já muda alguma coisa, imagina quando a vontade é escamotear o acontecido, edulcorá-lo ou demonizá-lo? Quando muitas fontes e seus interesses contam uma mesma versão combinada, a mentira vira verdade? Ou o contrário, uma verdade vira mentira? Em tempos mais ingênuos uma fala impressa virava fato. Depois vieram os meios de comunicação e se ouvia: li no Cruzeiro; deu na Rádio Globo; saiu na Veja; assisti no Jornal Nacional.

Tempos ruins aqueles da Ditadura, em que só havia uma mentira, a dela. Feito cordeiros ignorantes, a população amordaçada seguia conformada. Saltando 50 anos, tem-se um mundo excessivamente conectado, mas desinformado. Farsas, fraudes, conluios, conspirações, uniões espúrias, crimes de vingança, julgamentos e condenações, situações nas quais paixões se tornam convicções, levam a apenamentos antes mesmo das provas. Delatores travestidos de “colaboradores” querendo salvar a própria pele, dizem e desdizem suas versões, enquanto umas cabeças interpretam e outras rolam, mas nem todas. Tudo é cadenciado por interesses. Os linchamentos são escolhidos na bandeja. Quem está com a verdade?

Gestos vis de comemorar a doença e a morte de alguém foram socialmente deflagrados desde as perseguições, capturas, torturas e mortes de líderes como Osama Bin Laden, Saddam Hussein e Muammar Kadhafi. Ter ódio está na moda, e poucos querem perder o trem.

Nas redes sociais corre solta a boataria irresponsável, cínica e hipócrita, jogada para aguardar repercussão; opiniões circulam como notícias e ódios caminham como opiniões. As personificações do bem e do mal se tornaram obrigatórias, como se os protagonistas e os antagonistas fossem imprescindíveis nas tomadas de posição. Todos escrevem o que pensam, alguns se sentem especialistas, se arvoram de gurus, e lá do alto dizem aos comuns qual caminho seguir.

Oponentes, concorrentes e adversários de pensamento são inimigos e a degola é pedida. Difícil interpretar os motivos de alguém sentir ira por outro que não conhece e nem sabe direito quem foi e o que fez. Os cheios de razão, os com a cabeça feita continuarão com seus discursos de pestilência, intolerância e destruição. Contradição em alta: para punir a mentira, melhor não acreditar na verdade.

Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   



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