terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

O lago dos cisnes

* Por Raul Longo


Vai Cisne!
Emigra.

Leva tua dignidade,
a compor
nova constelação.

Vai!

Abutres apodreceram
as águas do lago
por não conseguirem
provar ser teu.

Vai Cisne!
Borde no céu
a tua estrela.
Pinte no firmamento
a cor brasil
da árvore da pátria
que nos roubaram.

Mas não roubam
o vermelho de nossa vergonha.

Apodrecem o lago
que te foi concedido
por merecido carinho
por não suportar
a própria imagem
refletida em tuas águas.

Narcisos inversos
que odeiam a tudo que os reflete,
conspurcam a vida
por se alimentar do pútrido.

Que não se alimentem
de ti, Cisne.
Emigra!

Voa,
digno e discreto Cisne.
Estarás em nossa memória.

Em nós, tua discreta serenidade
para sempre pousada
no turbilhão vermelho
da indignação.

Apodrecem teu lago,
mas em nós
a vida pulsa,
rubra.
Queimando num brasil.

Vai Cisne!
Deixe-nos apenas a tua estrela.
A estrela é tua,
mas sabes que dela necessitamos
para outra vez limpar
as águas deste lago.

Perdoe-nos Cisne.

Perdoe-nos pelo rumo perdido.
Perdoe-nos o escuro
e fétido
que apodrece e turva
a transparência
do teu lago.

Perdoe-nos esse voo
torto.
Esse grasnado histérico
de panelas inconsequentes
que melhor se justificariam
no círculo
putrefato das almas
dos abutres que odeiam
o lago que não têm como provar ser teu.

Perdoe-nos esse metal
mal lavado.
Esse ranço,
essa graxa,
esse chorume
que escorre infecto.
È o repasto de abutres
que se fartam nas podres matérias
mortas de cada dia.

Matérias em decomposição
no piscar de maiores escuridão,
no farfalhar de folhas que mais
e mais
se apodrecem a cada edição.

Vai Cisne!

Leva teu vermelho
para no firmamento
colorir nosso futuro vivo.

Emigra!
Ainda não te merecemos.
Ainda não nos merecemos.
Seguimos nos acreditando.
patinhos feios.

Ainda não merecemos
o discreto fremir
de tuas asas.

Vai!
Alça teu belo
e vivo voo!
Vai ser
nossa Constelação Cisne.

Olhando-te no céu,
talvez um dia
enxerguemos
não ser esse eterno patinho feio.
Talvez aprendamos a enxotar,
definitivamente,
todos os abutres
que apodrecem o lago.

Nosso grande lago
de fogo e vida
queimando de indignação.

Mas agora, vai...
Voa!

Só nos deixe um pouco mais
a estrela de teus carinhos.

É tua,
mas deixa-nos um pouco mais
para que nos mostre o
rumo
do teu voo livre.
E digno.

Deixe-nos um pouco mais
tua estrela
para lembrarmos que
já não fomos patinhos feios.
Lembrarmos que já fomos
um lago límpido onde o futuro
do mundo se refletia.

Um lago de cisnes
que abutres apodrecem
em poça,
fossa.

Sem vermelho,
sem ardor.
Sem Brasil.

Um lago de abutres.
Sem cisnes.
Fim da conversa no bate-papo

*Raul Longo é jornalista, escritor e poeta. Mora em Florianópolis e é colaborador do “Quem tem medo da democracia?”, onde mantém a coluna “Pouso Longo”.


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