Olhar generoso
* Por
Núbia Araújo Nonato do Amaral
Tinha uma cisma com as
tais pintinhas no rosto, os cabelos brancos em profusão, os dentes escurecidos
pelo bendito café, seu consolo nos dias de solidão. Não pressentiu a tempestade
que se anunciava, um telefonema nas primeiras horas da manhã lhe trouxe
notícias amargas: a mãe se fora, assim de repente, como quem já estivesse de
saco cheio dessa vida e resolvesse partir.
Seu cãozinho, o único
que lhe aturava, fugiu portão afora, nunca mais voltou. Uma notificação da
imobiliária, com ameaça de despejo, remoía-lhe o estômago.
Encaixotou suas tralhas
e subiu o morro. O barraco pintou de branco. As mudas de margaridas plantou em
todo o quintal. Matou galinha, fez a farofa, reuniu os vizinhos para a ceia.
O sol anuncia um dia
colorido, as margaridas emolduram o barraco de Zulmira, seu sorriso, ainda
amarelo, é prenúncio de alegria. As pintinhas no rosto aos poucos cederam vez a
um olhar mais generoso, pois a vida lhe deu muito mais.
* Poetisa, contista, cronista e colunista do
Literário
Ai que tristeza: velhice órfã, pobre e feia. E sem cachorro. Nem sei como deveria estar esse olhar. Ainda assim,você viu poesia nesse fim de existência, Núbia. Suas palavras adoçaram a dura realidade.
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