quinta-feira, 17 de abril de 2014

Onde dormem os duendes

* Por Alexandre Vicente

Meus primeiros passos como exibido profissional foi fazendo teatro infantil amador. Contava uns 12 anos e interpretava uma espécie de mago malvado ou duende, não sei bem. Pelo meu peso e altura devia ser um duende mesmo. Ainda aos sete era tão magrinho, mas tão magrinho que minha mãe tinha medo que o vento me carregasse. Era comum a formação de redemoinhos em nossa região e temendo que o pé de vento repentino roubasse a cria, acudia às minhas irmãs para que fossem me buscar na rua. “Deniiiise, Delciiii….corre e pega o Alexandre!!!”. Para meu embaraço, sua preocupação era muito sincera.

Revelado o meu porte, volto a contar a história do teatro. O projeto começou com uma professora de inglês  quando eu cursava a antiga quinta série do primeiro grau, hoje, ensino fundamental.A escolha do elenco foi muito difícil e acirrada. Quem quisesse participar… participava. Fui escolhido para interpretar o pequeno vilão. Não fiquei muito feliz mas… como posso dizer… “aquele papel foi um presente prá mim”.

Eu decorei as falas e minha tia Francisca preparou minha roupinha de seda verde. Era uma bermuda bufante, um colete com paetês e uma touca estilo Noel. O ideal era que eu usasse uma sapatilha, mas não fosse por minha tia, o figurino já não teria sido o luxo que foi. Como um bom artista, improvisei o calçado. Peguei meu velho Kichute (essa não é para os mais jovens) e adaptei um acabamento no bico feito em cartolina à moda Alladin.

Ensaios após as aulas e nos fins de semana na casa da professora Aleluia, idealizadora do projeto. O lanche era sempre bom. Éramos todos da mesma classe e o garoto mais bonitinho (segundo as meninas) e inteligente (segundo minhas notas) ficou com o papel de príncipe, ao lado daquela que era minha princesa (não só na peça, mas também em meu coração infantil). Suas roupas foram bem trabalhadas em azul e detalhes em dourado que pareciam reluzir ao lado de meu velho tênis preto. Sua irmã também interpretava algum personagem e estava igualmente bem vestida. Todos com o figurino muito bonito.

Eles iam para as apresentações de carro, enquanto eu e o amigo Valdemar íamos de ônibus ou a pé. Ainda outro dia encontrei-o em um Subway e ele não lembrou de mim por nada. Diz minha filha que ele deveria ser meu amigo imaginário. Talvez. Afinal, eu era um Duende!

Tudo em volta me mostrou que eu não tinha bala para ser o príncipe. Nem corpo, nem notas, nem roupas e muito menos um carro. Acho que foi a primeira vez que entendi o que era diferença de classes. Tudo bem… sem dramas… não sofri bullying. Era só la vie se mostrando irremediavelmente. Ele era o príncipe, ela a princesa e eu o vilão que terminava humilhado, puxado por uma das orelhas e levando um baita sermão.

Deste eu não lembro muito, pois o danado do príncipe fazia questão de ser bem realista ao punir o duende. Por outro lado, não tive como esquecer a outra lição. Vejo-a todos os dias desfilando por nossa cidade.

Nossa turnê passou por várias escolas e fomos aplaudidos de pé, apesar do amadorismo. Dessa época, nem uma foto. Só a lição, mesmo.


* Escritor carioca

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