quarta-feira, 30 de abril de 2014

Quando quase fizemos a diferença

* Por Fernando Yanmar Narciso

Como alguém já disse, não existem causas perdidas, desde que haja alguém louco o bastante para lutar por elas. Nas grandes viradas da história, a ingenuidade foi um dos ingredientes essenciais. É preciso ter fé cega e incondicional em alguma ideologia para pô-la em evidência e eventualmente fazer com que assuma o lugar do status quo. O povo brasileiro costumeiramente se alimenta de ingenuidade na hora de mudar alguma coisa, e não raramente acabamos caindo na boca do crocodilo ou nadamos até morrer na praia.

O ano era 1983, quando começou a circular pelo Congresso a famosa Lei Dante de Oliveira, preparando o Brasil para o fim do governo ditatorial dos militares e a volta das eleições diretas para presidente. Muitos de nós estávamos tão desesperados com a ditadura, que já durava quase vinte anos, que decidimos nos entregar em corpo e espírito ao movimento pró-eleições diretas, como se só pendurar a faixa no pescoço de um civil pudesse apagar o país e começar outro no lugar. Por dois anos houve manifestações, passeatas e comícios faraônicos ao redor do país, cujo comparecimento em massa da população chegava a ultrapassar os seis dígitos, sendo os de maior repercussão os feitos no aniversário de São Paulo, na Praça da Sé e o do Rio de Janeiro, na Candelária, que mais pareceu o Rock In Rio.

Quisera eu que as impressionantes manifestações do ano passado tivessem se espelhado no movimento das Diretas Já, uma verdadeira lição de união e civismo em nome de um bem maior, pois em meu ponto de vista, os jovens foram sapatear no teto do Congresso ano passado só pra fazer baderna, ao contrário dos que o fizeram em 85! Infelizmente, não importou berrar, pintar a cara, arrumar bandeiras gigantes do Brasil e trazer a população quase toda para as ruas, pois mesmo com a aprovação do fim da ditadura, em 1985 nosso primeiro presidente civil em anos ainda foi eleito sem o dedo do povo.

Não é novidade que já passamos por poucas e boas quando tentamos nos envolver na vida política do país. Na época do lançamento do Plano Cruzado, com congelamento de preços e tudo o mais, a confiança de grande parte da população que aquela presepada salvaria o país da inflação era tão grande que, ao menos no início, consumidores se exaltavam, faziam quebra-quebra e até forçavam o fechamento dos supermercados que vendessem mercadorias acima tos preços da tabela da SUNAB. Os famosos “fiscais do Sarney”...

Pena que levamos apenas cinco meses pra cair na real de novo, quando a inflação disparou novamente e as empresas passaram a boicotar o congelamento, se negando a abastecer as prateleiras. Lembro-me, por exemplo, que quando a revistinha do Zé Carioca era quinzenal, a cada novo exemplar o preço era maior. Então vieram as eleições de 1989, que mobilizou o país do Oiapoque ao Chuí. A patotinha de Sarney arregaçou de tal forma o Brasil que, virtualmente, qualquer partido naquele ano era de oposição e tinha reais chances de chegar ao poder.

Não houve eleições iguais àquela em que levamos ao 2º turno o canalha do Fernando Collor e o escroto do Lula. Collor foi eleito e o povo tinha fé quase cega que tanto ele como Lula, caso fosse eleito, seria o homem a salvar nossa economia, nosso Abraham Lincoln. Só pra variar, quebramos a cara! O Plano Collor conseguiu ser ainda mais desastroso que a era Sarney, com o retorno do Cruzeiro como nossa moeda e o confisco de todo o dinheiro da poupança dos brasileiros, que chegou a matar pessoas que dependiam dela para sobreviver. E assim que o irmão do presidente começou a abrir a matraca e a denunciar as verdadeiras andanças de Fernandinho, foi hora de o povo voltar às ruas de novo.

Quando Collor fez um pedido desesperado de apoio da população que o levou ao poder, implorando que saíssemos de casa vestindo as cores da bandeira, os brasileiros saíram de preto e narizinho de palhaço, para “celebrar” o sepultamento dos dois anos do playboyzinho no planalto. Novamente a pressão popular pesou nas mãos dos políticos na hora de votar a favor do Impeachment do ex-presidente, mas a união fez a força e o almofadinha foi defenestrado em clima de festa no país. Se bem que, assim como nos tempos das Diretas Já, o fim do governo Collor acabaria sendo decretado, independentemente de nossa pressão.

Aqui pra nós, desde quando o impeachment de um presidente é motivo pra carnaval? Por acaso os Estados Unidos também soltaram foguete quando o presidente Nixon foi forçado para fora do governo? Impeachment devia ser um motivo para a gente parar e refletir sobre o que podemos ter feito de errado, o que o presidente fez de errado e o que poderia ser feito para nos prevenirmos contra armadilhas, como eleger um quase desconhecido ao cargo máximo só porque a Rede Globo mandou o povo votar nele. Ainda me faz coçar a cabeça pensar por que Sarney, que protagonizou talvez os cinco anos mais desastrosos da história do país, não foi digno de um impeachment por suas trapalhadas...

*Designer e escritor. Contatos:
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2 comentários:

  1. Ainda temos de aprender muito, porem o país não aguenta mais.

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  2. Parabéns Fernando, muito bom o texto. Esses governos com conivência da justiça, falam mais alto que a lei. Um país que só vive de miséria, prostituição, jogos de azar..., as autoridades sendo subornadas pelos poderosos, nada mais podemos esperar! Abração!

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