A reunião
* Por
Nilto Maciel
Os homens se acomodaram
ao redor da grande mesa. Falavam baixo, cochichavam, mãos postas sobre a tábua
ou os papéis. Que notícia traria o Presidente? Teria alguma relação com a morte
do vereador de Sapoapé? Não, Sapoapé não – Cipoaté. Ou com o nascimento do
cabrito com duas cabeças? Possivelmente não. Aquilo interessava muito mais aos
biólogos do que aos políticos.
Um ou outro alisava
garrafinhas com água e copos. A luz das lâmpadas no teto não provocava sombras.
Súbito a grande porta se abriu e por ela entrou o Presidente, boca cheia de
sorrisos e bons-dias. Os ministros se levantaram de uma vez, como se tomados de
repentino susto. Estrépito de cadeiras arrastadas no chão. O coro de vozes
roucas retribuiu a saudação. A autoridade maior se sentou e, com um aceno,
autorizou o sentar-se de seus auxiliares. Olhos fitos no rosto do comandante,
os homens nem sequer piscavam, paralisados, imóveis, inertes. O que diria o
chefão? Sapoapé, Cipoaté, cabrito, vereador? Olhar vidrado, ele engolia
palavras, sem mastigar. Um ou outro ministro cruzava as mãos suadas. Nenhuma
sombra se mexia sobre a mesa, nas paredes, no chão. E nada de o mandachuva
abrir a boca. Ao longe, garçons cochilavam, surdos e mudos. A ponta do sapato
de um cupincha encontrou a ponta do sapato de outro cupincha à sua frente.
Arregalaram os olhos. Qual o significado daquilo? Estaria ficando louco?
Retirasse o pé dali, imediatamente. Deixasse de gracinhas. Alguém ousou levar
as mãos a um copo. Reprimenda geral, com os olhos. Não fizesse aquilo. Deixasse
a autoridade se servir primeiro. O silêncio fazia ouvirem-se os mais remotos e
insignificantes ruídos: na boca de um, nos lábios de outro, a respiração de
fulano. Olhares se cruzavam de ponta a ponta. O do vizinho à esquerda do chefe
fulminava o sétimo à direita dele. O terceiro à direita piscou discretamente
para o quinto da coluna frontal ao frontispício central. Por que o homem não
falava nada? Teria perdido a fala? Estaria dormindo? Seria sonâmbulo? Teria
enlouquecido? E se o interpelassem? Quem o faria? Não, ninguém ousaria
interromper o sono do Presidente.
A mim cabia somente
filmar a reunião. E também nada dizer ou perguntar.
* Escritor
cearense
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