quinta-feira, 24 de abril de 2014

Bendita rotina!


* Por Pedro J. Bondaczuk


A maioria das pessoas que conheço, e com as quais convivo, queixa-se, amiúde, da vida rotineira que leva. As reclamações vão desde o trabalho realizado, que não seria o de seus sonhos, ao casamento, que caiu na monotonia e não raro acaba desfeito, com rusgas, ressentimentos, mágoas e sofrimentos para todos os envolvidos. E as queixas não param por aí. Passam, ainda, desde o tipo de lazer que os queixosos têm à disposição, aos seus relacionamentos de amizade. E vão por aí afora.

Essas pessoas, no entanto, reclamam, reclamam, mas não movem uma só palha para promover benéficas mudanças em suas vidas. Conformam-se com o cotidiano banal, sempre igual, rotineiro e sem graça. Mas seria mesmo assim? É possível que todos os dias sejam, de fato, “iguais”, ou pelo menos parecidos? Claro que não! Em alguns, por exemplo, o sol brilha intenso e, em outros, chove. Uns são de verão, com calor sufocante e, não raro, com chuva no final do período; outros, são de inverno (ou de primavera, ou de outono), mais frescos ou até mesmo gelados. Já aí há uma impossibilidade da existência de rotina, monotonia, marasmo.

Ademais, por mais rotineiro que seja o trabalho que a pessoa exerça, todos os dias têm coisas novas acontecendo. Basta que se esteja atento para identificá-las. São, em geral, pequenos incidentes diários (positivos ou negativos), mas que marcam nosso cotidiano. Ora é o chefe, que dá uma bronca homérica, que a pessoa que a recebe invariavelmente considera injusta, mesmo tendo cometido algum erro ou se mostrado impontual, ou desatento ou improdutivo. Ora é um colega que nos ajuda (ou nos atrapalha). Ora somos promovidos, ou preteridos numa promoção, dependendo do nosso empenho profissional, capacidade e utilidade na empresa. E, quando somos demitidos... aí sim, há uma quebra violenta de rotina. Essa mudança, porém, ninguém aprecia. Não há, pois, dois dias rigorosamente iguais.

O mesmo ocorre em casa, na escola, nos encontros com os amigos, com namoradas e em outros tantos atos da vida. Da minha parte, confesso, gosto da rotina. E vou mais longe: eu mesmo estabeleço uma, no meu dia a dia, para organizar e gerenciar tudo o que preciso fazer. Sou uma pessoa extremamente metódica (meus críticos garantem que até exagero e que sou obsessivo) e busco racionalizar meu tempo, que é o grande capital de que disponho.

Acordo sempre, invariavelmente, na mesma hora, seja dia útil ou final de semana, ou então, feriado. E cumpro todo um ritual, o mesmo por anos e anos. E ai daquele que me obrigue a deixar de cumprir um único ponto desse rito pessoal e cotidiano! Após despertar, dedico cinco minutos para meditação. Abstraio-me dos problemas e fixo-me num só tema, que analiso ângulo por ângulo.

Feito isso, antes mesmo da higiene pessoal, tomo uma xícara de café preto, bem forte, que me desperta de vez, e cuido da aparência. Tomo banho, faço barba, escovo os dentes, penteio-me e quando termino, estou prontinho para começar a jornada diária. Infelizmente, tenho o mau-hábito de não me alimentar pela manhã. O passo seguinte, pois, é ler os jornais do dia (pelo menos três) e comparar a edição de cada um deles. Faz parte da minha profissão! Sou editor há mais de quatro décadas!

Asseado e bem-informado, ligo o meu computador, para conferir a correspondência eletrônica. Separo os e-mails que precisem ser respondidos, arquivo os importantes e “deleto” (desculpem-me o neologismo, que já se incorporou à nossa linguagem comum) os spams e tantas outras bobagens que enviam para a minha caixa postal.

Atualizada a correspondência, edito os textos dos colunistas-fixos do dia e dos colaboradores  eventuais (em média,dois diariamente) do “Literário” Eles são devidamente analisados, revisados e editados. O passo seguinte é a postagem da crônica e da reflexão diária, redigidos previamente na véspera, e de um artigo meu de arquivo, no meu blog “O Escrevinhador”, espaço que trato com o maior carinho e atenção.

Feito isso, redijo e edito o editorial do Literário (que trato como uma espécie de mini revista eletrônica diária voltada à Literatura, como vocês estão cansados de saber). A esta altura, já são 16 horas. É o momento, ou um deles, que mais satisfação me dão. É quando leio livros previamente agendados, ao longo de exatas duas horas, nem mais e nem menos.

Dedico outra meia hora a anotações sobre o que li, pouco antes do jantar. Nesse ínterim, faço duas intervenções no Facebook. A primeira, é pouco depois de concluir a edição do dia do Literário. Já a segunda, é após as sagradas duas horas de leitura. Só então, desligo o computador (quando o livro que acabei de ler é um e-book, o que é cada vez mais freqüente).. Ufa! A jornada chegou ao fim! Da obrigação, parto, de imediato, para a satisfação.

Vem, então, o melhor momento do dia. Ou seja, aquele em que dou a devida e plena atenção à amada esposa, com a qual sou casado há 41 anos, que me acompanha, estimula e compreende e que tem a imensa paciência de esperar que eu cumpra, rigorosamente, sem deixar de fora nenhum passo, a minha estafante, mas bendita rotina. Janto, com apetite e tranqüilidade, não raro ouvindo música clássica, suave e relaxante, de fundo.

Observo, porém, que este é meu programa quando não estou escrevendo um novo livro, o que é raro. Quando estou, destino exatas quatro horas diárias à tarefa de criação. E tal período começa uma hora após o jantar. O relógio determina cada passo meu ao longo dos dias. Não aceito desperdiçar tempo, que é meu preciosíssimo capital. As más línguas dizem que sou obsessivo. Quem? Eu?!!! Intriga da oposição! Sou um sujeito organizado e não me arrependo disso.

Cumprida a obrigação conjugal (que, claro, é a coisa mais prazerosa de todos os meus dias e da minha vida inteira), faço breve oração e... durmo. De imediato, como uma pedra! E sem necessidade de nenhum sonífero ou calmante! Afinal, ninguém é de ferro, não é mesmo?! O meu dia é chato? Provavelmente o leitor dirá que sim! Mas não troco essa chatice por nada deste mundo. Bendita rotina que me organiza e me fortalece!

* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk 



Um comentário:

  1. Eu gosto muito de conversar e este parte tem ficado em aberto, pois não tenho com quem falar. Meu filho é praticamente mudo, e no consultório as minhas 8 h de trabalho é ouvindo, embora faça muitas perguntas. Como disse Caetano Veloso: "cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é". Eu acho sua rotina massacrante e notei a ausência de almoço. Eu sou metódica, mas não chego aos seus pés. Comento e já respondo por você: o prazer deve ser seu, e de mais ninguém em relação ao seu dia.

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