quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Sublime celebração

* Por Sayonara Lino

Ali está ele, parado, fumando seu cigarro lentamente. Deve ser aposentado, já que passa muitas horas em estado de contemplação. Não o vejo sair. Nunca o encontrei no portão. Viajei, retornei, e ele continua firme, na mesmíssima posição.

Acho interessante o olhar distante, talvez percebendo coisas que ninguém vê ou dá importância. Será que existe algo além que ainda não notei? Gostaria de passar algumas horas naquela sacada, para tentar enxergar como ele.

Interessante como algumas pessoas não são invasivas. Por mais que ele olhe para cá, não tem um jeito bisbilhoteiro. Olha simplesmente porque moramos um em frente ao outro. Olha através. Tenho certeza que não se interessa pelo meu cotidiano de correria, leitura e escrita. Seu comportamento me interessa. Ficar parado por horas a fio é para poucos. E essa sutileza, gosto disso. Não é barulhento, não é agitado. É um mar de águas tranquilas.

Acabaram de acender a luz. Estão ali, tomando a fresca, como diria minha avó. Ele a sua companheira. Gosto muito da luz da sala, aconchegante. E gosto também daquelas borboletas que colocaram no canto da sacada. Casa feliz tem que ter planta, quadro para enfeitar, alguns objetos pessoais para conferir personalidade. E tem que haver cores. Ali tem tudo isso, eu acho.

Interessante é que pela primeira vez, desde que me mudei para cá, vejo pessoas leves nesse lugar. Várias pessoas passaram por ali, algumas mais tensas. Harmonia e tranquilidade, dá para sentir daqui.

Nunca houve festa, apenas receberam algumas visitas que vierem conhecer o novo lar. Isso não parece ser necessário, já que comemora diariamente algo que não seio que é, nem quero saber. Desconfio que sua introspecção seja a mais sublime celebração, da qual poucos participam. Como não gosto de interferir, ficarei aqui, do outro lado, observando sem ser notada.

• Jornalista, fotógrafa e colunista do Literário

Um comentário:

  1. Personagem que desperta a curiosidade pela quietude, pelo ficar parado por muito tempo. Ou pratica meditação(caso estivesse na posição flor de lótus), ou tem catatonia, um dos tipos de esquizofrenia. Ou então não é nada disso, sendo apenas alguém que anda devagar por que já teve pressa, como diria Almir Sater no seu "Seguindo em frente".

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