sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Retratos não vividos

* Por Rodrigo Ramazzini

Uma rajada de vento entrou pela porta dos fundos e derrubou um vaso de flor. Um segundo sopro fez a porta fechar-se violentamente. Com o barulho da batida, Claudinha despertou. Ancorado no seu peito, um álbum de fotografias.

A noite mal-dormida fora confidenciada pelo cochilo no sofá. Sentou-se e espreguiçou-se. O álbum escorregou para cima de suas coxas. Era de capa branca, com detalhes de linhas douradas entrelaçadas no centro. Apreciou-a. Seus pensamentos logo se remeteram ao passado. Então, resolveu folhá-lo página por página.

Virou a primeira folha. A imagem da sua festa de quinze anos. No ato célebre de apagar as velinhas. Grande festa aquela. Todos os colegas da escola reunidos.
– Onde foram parar todos? Indagou-se.

Outra página. O sonho, uma carreira. Eis o que representava aquela figura, de sorriso largo, vestida a caráter, com um canudo na mão. A formatura! Final tão esperado. Começo de novos caminhos.
– É! – proferiu, soerguendo as sobrancelhas.

Folheou o álbum novamente. Retratada estava a ação típica das noivas: o arremessar do buquê. “Encalhadas” em um surto coletivo na busca do bom futuro prometido pelo simples agarrar do ramalhete completavam a foto.
- Aqui estaria a lua-de-mel...

Seguiu indicando a localização na página.

A lua-de-mel. Retratos evidenciando em inúmeras folhas o sentimento maior: o amor. Poses e risos não faltariam para registrar a felicidade deste determinado momento.
- O destino assim desejou... – sussurrou baixinho.

Nas páginas seguintes muitas fotos de ocasiões felizes: férias, passeios, viagens, encontros familiares, aniversários, shows etc. Momentos de uma vida inteira ali contados. Espirrou fortemente. O álbum quase caiu de suas mãos. Quando o reabriu, a memória da gravidez apresentou-se. O mês a mês da evolução da vida eternizado em um retângulo. Fotos de um momento que se repete diariamente, mas único para quem o vive.
- Se chamaria Gabriel... – lacrimejando, pensou.

Uma lágrima caiu sobre o álbum. Indagou-se:
- O que estou fazendo?

Limpou rapidamente a folha com a camiseta. Os devaneios de uma mente produzem imagens quase reais. Coisas não vividas. Sensações não sentidas. De quem dependiam para acontecer?

Fechou o álbum de fotografias que dará para a sua sobrinha no próximo sábado. Ela completará quinze anos. Um álbum novo. Em branco. Suspirou fundo e proferiu:
- Se tivesse sido assim...

E foi juntar o vaso de flor que caíra com o vento...

* Jornalista e contista gaúcho.

Um comentário:

  1. A retrospectiva é automática diante de um álbum de fotografias. Difícil não trazer nostalgia.

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