sábado, 29 de setembro de 2012

Maníaco depressivo

* Por Clóvis Campêlo

Fiz o que me pediram e desenhei a árvore.

Era um pé de jenipapo não muito frondoso, situado no sopé de um pequeno morro. Em um dos seus galhos, cantava um sabiá. Perto dali, passava um riacho de águas translúcidas, repleto de pequenos peixes que nadavam tranquilamente.

Na época em que desenhei a árvore, eu era apenas um rapaz de vinte e poucos anos. Mas, a lembrança se reportava ao tempo da minha infância, quando as férias escolares se dividiam entre temporadas nas praias e temporadas no engenho.

Eram lembranças pueris de um garoto assustado com seus próprios medos.

A casa grande do engenho ficava em cima de outra pequena colina, de frente para o nascente. Do seu grande terraço, podíamos observar a igrejinha, encimando a colina frontal. Por trás da igrejinha, onde os senhores da casa grande iam agradecer a Deus os privilégios que lhes foram por Ele concedidos, ficava um resto de mata atlântica, paraíso preservado e onde ainda podiam ser caçados pacas, cutias e outros pequenos bichos indefesos.

Por trás da casa grande, havia um pequeno jardim repleto de roseiras e pés de jasmins. À noite, aquele perfume suave e marcante invadia o quarto onde dormíamos o sono dos justos e dos injustos. Mais adiante, um pequeno rio, de onde derivava o riacho repleto de arenques, trazia, vez por outra, capivaras que eram caçadas e mantidas em cativeiro para engordarem e serem comidas.

Lembro também que havia um bode velho, um pai de chiqueiro, que, íntimo da casa e de todos, tinha a liberdade de passear livremente pela cozinha e pelo terraço.

Tudo parecia estar no seu devido lugar: o vento que balançava as palhas da cana-de-açúcar, o gado no curral, meu tio com o seu chapéu de cow-boy americano e a mesa farta, enorme e retangular, onde todos se reuniam três vezes ao dia para as refeições, e onde nós, crianças, escutávamos as histórias de Cumadre Fulorzinha e de outras entidades que alimentavam o imaginário da gente sofrida e conformada do campo.

Não imaginava que aquele quadro pintado na minha imaginação e que faria inveja a qualquer pintura de Debret, estava delineado o meu diagnóstico: síndrome maníaco depressiva.

Não podia imaginar que nas lembranças de um passado já tão digerido e catalogado, estaria retratada a minha incapacidade de situar-me no presente de forma feliz e adequada.

Aquela terra tinha árvores onde cantava o sabiá e o seu canto melancólico e melodioso para sempre estaria gravado na minha memória de menino assustado por seus próprios medos.

* Poeta, jornalista e radialista

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