quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Levanta-te e anda-te!

* Por Fernando Yanmar Narciso

A coisa mais próxima da religião, quer gostemos ou não, é a política. Tanto a política como a religião dependem da pobreza para continuar existindo, são movidos a discursos eloqüentes para agarrar os carentes pelo ouvido e pelo pescoço e suas palavras nem sempre condizem com os ideais de quem as discursa. Quer dizer, como um candidato pode prometer acabar com a pobreza se ele nunca foi pobre? Como o Papa pode dar sermões pregando a humildade e se sentar num trono de ouro que deve ter o valor do PIB da Europa? Sim, fé religiosa e política são de fato muito semelhantes, mas ultimamente tem sido mais fácil acreditar em Deus que nos políticos.

A palavra fé significa confiança. Mesmo nós, ateus, precisamos acreditar que tempos melhores hão de vir. Pode ser hoje, amanhã ou muito em breve, não importa. Havemos de concordar que viver é um saco, mas continua sendo melhor que estar morto. Da hora que levantamos à hora que nos deitamos não vemos nada além de problemas, principalmente se você pertencer a alguma comunidade onde falta de tudo: Escola pros filhos, leite pros recém-nascidos, bons empregos, um lugar razoável para morar, a cesta básica que mal dá pra passar pelo buraco do dente. Sem falar nas doenças, contas a pagar, dívidas, tiroteios no morro, seu time que perde toda quarta-feira... Se uma vida dessas não for um incentivo ao otimismo, não sei o que é.

Em situação de privações extremas, o desespero é tamanho que o caboclo é capaz de acreditar em qualquer coisa que lhe disserem, desde que lhe traga esperança.

Esse é o grande truque de qualquer religião ou partido político: Descobrir o que os fieis/ eleitores querem ouvir e lhes oferecer isso em doses cavalares, ainda que figurativamente.

Por isso o Jesus Cristo da bíblia supostamente disse que era mais fácil passar um camelo pelo buraco da agulha que um rico entrar no paraíso. Um pobre ouvir algo assim é simplesmente glorioso, a vingança suprema sobre seus opressores. Claro que o “príncipe da paz” poderia ter dito algo assim, é tudo que o povão precisa ouvir!

Incrível como a fé em seres fantásticos ainda é capaz de decidir os rumos de um país. Tomemos de exemplo um paisinho qualquer, retrógrado, fundamentalista e que seja motivo de chacota do resto do mundo, como... Os Estados Unidos. Por lá, em muitas comunidades, ainda é costume eles levarem os doentes PRIMEIRO ao líder espiritual da comunidade, para tentar desvendar se a doença não foi uma “intervenção satânica”, e só depois o levam ao médico. Quer dizer, se nem Deus for capaz de curar o enfermo, quem seria?

Em países como a Índia e Serra Leoa, onde há carência em todas as áreas humanas, até que o curandeirismo poderia ser aceitável como alternativa à caríssima medicina tradicional, mas no país mais rico e avançado do mundo? Até alguns Amish teriam mais bom-senso nessa hora.

Condenem-me, mas sempre acho graça quando ocorre algum desastre natural no mundo, com cidades inteiras destruídas, centenas de mortos, feridos e desaparecidos, e aparece a seguinte manchete no jornal: “Papa promete rezar pelas vítimas”. Rezar? Isso qualquer um pode fazer, inclusive os sobreviventes! Mandar dinheiro, comida e cimento, que é o que eles têm urgência para conseguir, o Vaticano não pode, mas se ajoelhar e fingir que se preocupa com as vítimas o Santo Padre tira de letra. Queria ver se os cardeais ficariam só rezando se um terremoto colocasse o próprio Vaticano no chão.

Como a maioria das pessoas, eu sinto arrepios quando entro num cemitério. Sempre considerei enterrar ou queimar os entes queridos um desrespeito com o defunto. Mas o que me chama mais a atenção no cemitério é como alguns que lá jazem são melhor cuidados agora do que quando estavam vivos. Há muitos túmulos simplesinhos, mas muita coisa digna de aparecer num filme de Hollywood. Mausoléus lindos, artísticos, enormes, alguns com estátuas de Virgem Maria, Jesus e outros santos, sempre cobertos de flores e oferendas.

Acho engraçado as pessoas escreverem mensagens de esperança e fé nas lápides. Quer dizer, a hora certa para se ter esperança é quando a pessoa está doente, não morta. Ali já é tarde demais.

*Designer e escritor. Site: HTTP://terradeexcluidos.blogspot.com.br

3 comentários:

  1. Não é para rir, mas achei a maior graça em várias partes do seu texto. Excelente, parabéns e pode ter certeza que conseguirá irar muita gente, dos ateus aos crentes.

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  2. Calma aí, politiqueiros eclesiásticos!!!
    Parabéns, Fernando!
    Abração

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  3. Instigante seu texto, ao mesmo tempo hilário. Suas colocações fazem muito sentido. Eu concordo com suas reflexões, embora possa desapontar alguns, como escreveu Mara no post anterior. Ao escrever revelamos a expressão do nosso pensamento. E o nosso pensamento não é igual ao de todo mundo.
    No meu livro A Passagem dos Cometas, o "editor", personagem irreverente, chega as raias da ousadia ao dizer ao amigo dele: "Você já imaginou o papa sentado no trono, fazendo força, pensando nos problemas da humanidade?"
    Mais a frente ele diz: “No trono e no túmulo todo mundo se iguala.”
    Isso deixa o amigo poeta irritado, já que suas filosofias diferem das do amigo, com quem costuma trocar farpas por discordar de suas irônicas observações.
    Um abraço, Fernando!

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