terça-feira, 29 de abril de 2014

Dia do Índio, algumas reflexões

* Por Harry Wiese

No dia 19 de abril, já é do conhecimento de todos, é o dia índio, criado pelo presidente da república Getúlio Dorneles Vargas, pelo decreto-lei nº 5540, de 1943 e que relembra o ano de 1940, quando várias lideranças indígenas do continente americano resolveram participar do Primeiro congresso Indegenista Interamericano, realizado no México. O dia do Índio tem como função relatar os direitos indígenas e fazer com que todos conheçam a importância que eles têm na nossa história.

Como 2014 é um ano de singular importância, principalmente, para a História de Ibirama e região, é mister traçar algumas reflexões sobre a questão indígena.

Como já se sabe o dia 22 de setembro de 2014 marcará 100 anos do primeiro encontro pacífico entre brancos colonizadores e índios, na localidade de Rio Platte, hoje pertencente ao município de José Boiteux. Coube aos índios botocudos, que atuavam principalmente nas terras de Hammonia e ao jovem Eduardo de Lima e Silva Hoerhan, a iniciativa do contato.

Sabe-se que deste primeiro encontro ocorreu uma enorme transformação em todos os sentidos tanto para os brancos como para os índios. A história é longa e não pode ser aqui narrada em detalhes.

Evidencia-se que, após o primeiro contato pacífico, a maior ruptura nas tradições, cultura e língua, coube aos indígenas. Vale salientar que enquanto a nação botocuda perdia sua identidade, os colonizadores ganhavam em tranquilidade e progresso.

Por este motivo, não se fala em comemorar o centenário da pacificação, pois não há motivo para comemoração. Talvez seja prudente usar os termos “lembrar ou relembrar” a data; que seja, pois, lembrar para refletir sobre a questão indígena centenária, à procura de soluções, respeito e dignidade para com os irmãos da Terra Indígena Ibirama. Mas o que eles, os índios, pensam sobre isso. Como os índios veem a data dentro de seu contexto histórico?

O desabafo de Edu Priprá, vice-presidente da Associação Indígena, da aldeia Barragem, em entrevista recente, talvez reflita o sentimento da grande comunidade TI Ibirama: “O branco tem como festival de lembrança, mas é a marca do sofrimento que passaram estes índios. Devia ser o dia do choro para toda a população”.

Como não é possível retroceder na história e como não é possível apagar o que já foi feito, faz-se necessário procurar um entendimento “macro”, mais justo e mais nobre, para que índios e brancos tenham uma convivência de cunho pacífico de sentido nobre e duradouro, visto que o termo “pacificação” tem um leque de conceitos e entendimentos. Cita-se excerto do livro “A sétima caverna”, de autoria deste cronista, para confirmar o exposto: “Embora todos falassem que os índios foram pacificados, papai e Criendiu não concordavam com este posicionamento. É correto afirmar que os índios foram aldeados porque ninguém pacificou ninguém. Gente não pacifica gente. Gente respeita gente. Só”.

Muitas atividades e projetos sobre a questão indígena, neste ano de 2014, estão em andamento. O que se espera é que aproximem com mais intensidade índios e brancos, que a história do primeiro contato pacífico se transforme em contato permanente em ações legítimas para todas as etnias envolvidas, mas que sejam, principalmente, contatos de paz e amor na consciência de todos os habitantes desta Terra da Fartura.

* Harry Wiese é escritor que reside em Ibirama - SC. É autor de vários livros, dentre eles A sétima caverna, romance premiado pela Academia Catarinense de Letras.


segunda-feira, 28 de abril de 2014

Literário: Um blog que pensa

LINHA DO TEMPO: 8 anos, um mês e um dia de existência.

Leia nesta edição:

Editorial – Obra sólida posto que polêmica.

Coluna Em Verso e Prosa – Núbia Araujo Nonato do Amaral, poema “Prece colorida”..

Coluna Lira de Sete Cordas – Talis Andrade, poema “A tortura nunca termina”.

Coluna Pássaros da mesma gaiola – Daniel Santos, crônica, “Na garupa de São Jorge”.

Coluna Porta Aberta – Adailton Bastos, poema, “Exílio da terra do nunca?”.

Coluna Porta Aberta – Vítor Orlando Gagliardo, conto “A carta de despedida”.


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Livros que recomendo:

“Balbúrdia Literária” – José Paulo Lanyi – Contato: jplanyi@gmail.com
“A Passagem dos Cometas” – Edir Araújo – Contato: edir-araujo@hotmail.com  
Aprendizagem pelo Avesso” – Quinita Ribeiro Sampaio – Contato: ponteseditores@ponteseditores.com.br
 “Cronos e Narciso” – Pedro J. Bondaczuk – Contato: WWW.editorabarauna.com.br
“Lance Fatal” – Pedro J. Bondaczuk - Contato: WWW.editorabarauna.com.br


Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.



Obra sólida posto que polêmica

A obra literária de Virgínia Woolf segue causando polêmica, mesmo passados 73 anos do seu suicídio (completados em 28 de março de 2014). Uns, consideram-na ultrapassada e envelhecida, o que, se fosse verdade, sequer causaria estranheza, dado o tempo em que viveu, muito diferente deste início de século XXI. Outros tantos, no entanto (entre os quais me incluo) acham que ela é atual, sobretudo no que se refere ao comportamento das personagens, com seus dramas, amores, desamores, alegrias, dissabores e relacionamentos, que, em sua essência, não mudaram tanto assim. Apenas adaptaram-se à tal da tão apregoada “modernidade”.

 A rigor, seus livros não são fáceis de ler. Não, óbvio, porque, eventualmente, escrevesse mal, que não era o caso. Muito pelo contrário. Escrevia bem demais! Sua literatura, contudo, foge do convencional. Daí tantas comparações a outros ícones literários, feitas por quem conhece sua obra (como a James Joyce, a Franz Kafka e a Marcel Proust, ou a uma mescla de todos eles, reunidos). Muitos “críticos”, infelizmente, emitem opiniões sem conhecimento de causa. Percebe-se, pelos comentários que fazem, que sequer se deram o trabalho de ler qualquer dos livros de Virgínia Woolf. O chato é que esses sujeitos “fazem cabeças” e espantam leitores que, dessa forma, perdem a oportunidade de conhecer um tipo de literatura original, criativo e, em muitos casos, genial.

Sua obra literária é relativamente vasta, se levarmos em conta o tempo que ela viveu (59) anos e a forma como as mulheres “intelectuais” eram tratadas em sua época. Eram, sobretudo, mal vistas, quando exerciam atividades que fossem diferentes do papel que a sociedade lhes atribuía. E este, salvo uma ou outra exceção, era o casamento, a geração e criação dos filhos e os cuidados do lar. E só. Sua presença em escolas e universidades era encarada com desconfiança e preconceito. E o mundo literário era tido e havido como uma espécie de “clube do Bolinha”, restrito exclusivamente a homens. Tanto que as academias de letras de praticamente todas as partes passaram a aceitar, e assim mesmo com muitas restrições, a presença de escritoras apenas recentemente, por volta dos anos 60 do século passado. Como se talento e competência fosse questão de sexo, o que, claro, não é.

Virgínia Woolf publicou 17 livros, a maioria sem tradução para o português. Considero “Orlando” sua obra-prima. Esse romance, publicado em 1928, é tão fora do convencional, que merece comentários à parte (o que me proponho a fazer oportunamente). Sua primeira obra, “The voyage out”, data de 1915. Já a última foi “Entre os atos”, lançada em 1941, poucos meses após seu suicídio. Quatro de seus 17 livros se destacam, por uma série de razões. O principal, como enfatizei, é “Orlando”. Confesso que não li tudo o que Virgínia Woolf publicou, mas do que li, não tenho nenhuma restrição a fazer, embora a leitura me exigisse grande “ginástica mental” para acompanhar seu raciocínio e compreendê-lo.

Destaco, ainda, da sua produção, os romances “Mrs. Dalloway” (1925) e “Passeio ao farol” (1927), além dos livros de ensaios “Um quarto só para si” (1929) e “The Common Reader”, em dois volumes (1925 e 1932, respectivamente). No ano da sua morte, foi lançada uma coletânea de seus contos, abrangendo o período de 1917 a 1941, esta sim traduzida para o português, sob o título (óbvio) de “Contos completos”.

O romance “Mrs. Dalloway” serviu de inspiração para um filme de muito sucesso de Hollywood, que valeu, inclusive, um Oscar à atriz Nicole Kidman, por sua interpretação de Virginia Woolf. Trata-se de “As horas”. Essa produção cinematográfica é baseada no livro do mesmo nome do escritor Michael Cunningham. O autor mescla, em sua obra, várias histórias fictícias a episódios reais da vida da escritora inglesa. Mistura, todavia, a personagem verdadeira, de carne e osso, no caso Virgínia, com particularidades fictícias da protagonista do romance dela: as de Mrs. Dalloway. É, sem dúvida, uma fórmula bastante original de fazer literatura.

Agora, respondam-me com sinceridade: estou ou não estou com a razão quando afirmo que a vida dessa mulher totalmente fora dos padrões tido como normais da época é, se não mais interessante, tão marcante quanto sua magnífica obra? Sua conduta, seu trauma sexual, seus amores e desamores, suas dúvidas e contradições, tudo, absolutamente tudo é fora do convencional. Sem falar da sua morte, mais dramática do que a da maioria dos personagens de ficção que se conhece. A enciclopédia eletrônica Wikipédia lembra que “em Mrs. Dalloway, Virginia descreve um único dia da personagem, quando ela prepara uma festa”. É mais ou menos como James Joyce fez em seu clássico “Ulysses”. E não houve plágio de nenhuma das partes.

Boa leitura.

O Editor.


Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk 
Prece colorida

* Por Núbia Araujo Nonato do Amaral

Nas asas do pequeno passarinho
sonhos se embalam, misturados
a dúvidas e dívidas,
 interrogações e exclamações.
Enquanto o vizinho berra clamando
a atenção de seu senhor, apenas
admiro o seu voo, fugaz criatura
que desenha em
plena sexta-feira
uma prece colorida.

 * Poetisa, contista, cronista e colunista do Literário


A tortura nunca termina

* Por Talis Andrade

1

Na escuridão do cárcere
não persiste a mínima
noção de tempo
A escuridão prolonga
um suplício
que nunca termina

Na escuridão do cárcere
o prisioneiro desconhece
quando os encapuzados
vão recomeçar o ritual
das místicas
sessões cívicas

Desconhece de onde vêm
os cruciantes gritos
se da cela vizinha
ou dos porões da mente

Gritos que não lhe deixam em paz
estouram os tímpanos
Pregos penetram o corpo
revificando os estigmas da crucificação
o sangue a coroa de espinhos os escarros

Os pungentes gritos
recordam os sermões
dos tempos de menino
O padre Nicolau
descrevia as estações
da via-crúcis
ameaçando com os tormentos
do inferno
O corpo aferroado
por tridentes em brasa
a carne torrificada
no castigo do fogo eterno
A capela exalava
malsinado cheiro
de carne queimada e enxofre
Por toda capela
o beatífico aroma
de incenso e cera
de círios acesos

2

O prisioneiro desconhece de onde vêm
os cruciantes gritos
se da cela vizinha
ou dos porões da mente

No terror implantado o preso não percebia
quando tudo era um macabro divertimento
o cruel vexatório brinquedo do gato com o rato
ou triste cenário de um banho de sangue
O real o imaginário se (con)fundiam
no surrealismo de uma guerra suja
Nos aviões prisioneiros avisados
de que seriam atirados em alto mar
aterrizavam humilhados por continuarem vivos
Carros os freios sabotados desabavam
no abismo
Corpos caiam no poço dos elevadores
Carros invisíveis atropelavam nas esquinas
Prisioneiros alinhados ao pé do muro viam
[a morte fugir
nos fuzilamentos com balas de festim
Prisioneiros eram trucidados
em uma simulação de fuga
ou simplesmente sumiam
Outros anunciados como mortos
retornavam lampeiros perambulando pelas ruas

3

A imprevisibilidade uma tortura
Os segundos sobressaltante eternidade
Os inquisidores não têm hora precisa
Os inquisidores podem chegar
[a qualquer instante

Os segundos se arrastam
Perde-se a noção
de quando dia
de quando noite
Não existe mês
no calendário da escuridão

Na angustiante espera
o prisioneiro sofre a tortura
de desconhecer
quando chegará a vez
de ser empurrado
pelos campos de sangue
para os subterrâneos da morte
os olhos vendados
para uma viagem sem volta


* Jornalista, poeta, professor de Jornalismo e Relações Públicas e bacharel em História. Trabalhou em vários dos grandes jornais do Nordeste, como a sucursal pernambucana do “Diário da Noite”, “Jornal do Comércio” (Recife), “Jornal da Semana” (Recife) e “A República” (Natal). Tem 11 livros publicados, entre os quais o recém-lançado “Cavalos da Miragem” (Editora Livro Rápido).
Na garupa de São Jorge

* Por Daniel Santos
  

Passara já dos doze anos e estava no ponto – diziam os garotos da rua que, quase toda noite, e cada vez com maior freqüência, vinham até a praça onde ela residia entre caixas de papelão, jornais e sacos plásticos.

Acorriam também os piedosos com roupas e alimentos, senhoras muito educadas do governo e padres de batina preta. Pois foi um deles quem lhe mostrou a imagem de São Jorge a cavalo e chapéu de plumas.

Ela se encantou pelo santo com arrebatamento de noviça, a ponto de procurá-lo em todos os lugares. Sabia que o tal habitava a Lua, onde combatia o dragão, e debruçou-se no lago da praça à espera da sua visita.

Luar após luar, aguardou que ele surgisse, mas havia sempre nuvens encardindo o céu com uma escumilha de presságios. Enfim, na noite em que os garotos deram o  bote, ela se atirou às águas e o santo a acudiu.

Um dos pivetes alcançou-a por trás, mas a menina nem sentiu, que mais lhe fascinava a miragem: São Jorge emergiu sobranceiro, colocou-a na garupa e debandaram para sempre juntos, cavalgando, cavalgando ...

* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.



Exílio da terra do nunca?

* Por Adailton Bastos

Não voei mais,
o capitão está sem o gancho
não ouço sininho...
As flechas desapareceram,
os índios sumiram,
e o cavalo de pau fugiu
e a cavalaria não apareceu...
As bolinhas de gude
e as figurinhas foram
para o fundo do baú...
A bola de “cobertão”
esvaziou, o campinho
de futebol o progresso
fez um prédio em cima dele...
Já não brinco de carrinho
de rolimã, pião e finca...
Cresci, me tornei um homem
 e deixei as coisas
de menino...
O tempo me
exilou da terra

do nunca.

* Poeta, professor e escritor