quinta-feira, 1 de abril de 2010


Leia nesta edição:

Editorial – Literatura de Páscoa

Coluna Contradições e paradoxos – Marcelo Sguassábia, crônica “Quem foi que não”.

Coluna Aventuras em Paradoxo – Fernando Yanmar Narciso, crônica “Cada vez mais jovens”

Coluna Do Fantástico ao trivial – Gustavo do Carmo, microcontos “Sorte”.

Coluna Ladeira da Memória – Pedro J. Bondaczuk, crônica “Gozo total”..

Coluna Porta Aberta – Washington Queiroz, poema “Das épocas”.

Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.

Literatura de Páscoa

Caros leitores, boa tarde.
A Páscoa é um tema dos mais explorados em literatura, mesmo não o sendo tanto quanto o Natal. É certo que a maioria dos escritores que discorrem a respeito o faz de olho em um público específico, o infanto-juvenil, com uma infinidade de histórias, que se multiplicam a cada ano, rendendo excelentes dividendos para seus autores e, principalmente, para os editores. São livros com vendas garantidas.
Na literatura infanto-juvenil, destaque-se, o personagem central é o coelhinho, presente em praticamente todas as histórias (e nas propagandas alusivas à data). E por que esse foco nesse frágil animal? Por uma razão bastante simples: por ele ser símbolo por excelência de fertilidade e, por conseqüência, de vida.
E é isso o que, no final das contas, a Páscoa – quer no seu aspecto sagrado, quer no profano – representa. Ou seja, a ressurreição, a reprodução da vida e a sua perpetuidade. Simboliza sua vitória sobre a morte (o que na prática, claro, é uma impossibilidade diria que absoluta).
Queiram ou não, admitam ou deixem de admitir, consciente ou inconscientemente, a imortalidade é a suprema aspiração de todas as pessoas. Quem não gostaria de ser sempre jovem e viver eternidade afora? Muitos dirão que não gostariam. Mentem e sabem perfeitamente disso.
Confesso que este é um tema que quase não explorei, nem em meus contos e nem em crônicas e ensaios. Limitei-me a compor um ou outro poema a respeito, mas nada que merecesse ampla divulgação por eventual originalidade. Por que não trato desse assunto com assiduidade? Não sei! Não é nada deliberado. Talvez seja por nunca ter idéias “brilhantes”, originais ou pelo menos razoáveis envolvendo essa festividade. Doravante, ficarei mais atento a ela.
Entre os vários escritores que incursionaram por este tema, destaco o pernambucano Osman Lins, com o conto “Domingo de Páscoa”. Aliás, esse foi seu derradeiro texto (ou pelo menos é tido como tal). Veio a público somente em 1996, dezoito anos após sua morte, ocorrida em 1978. Quem o publicou foi a revista “Travessia”, publicação da Universidade Federal de Santa Catarina, em seu número 33.
Até o surgimento do cristianismo, a Páscoa uma celebração exclusivamente judia. Destinava-se a lembrar como esse povo foi livrado de uma das sete pragas que se abateram sobre o Egito, império que os mantinha em cativeiro, sendo um momento decisivo na sua libertação.
Todavia, há quase dois mil anos, a festividade ganhou novo significado. Destina-se a recordar o martírio, crucificação e ressurreição de Jesus Cristo, fulcro da fé de cerca de um bilhão de pessoas mundo afora. Como a Páscoa dos judeus, portanto, embora com outra simbologia, reverencia a perpetuidade da vida. E é esse o aspecto que atrai as atenções dos escritores.
A teóloga Maria Clara Lucchetti Bingemer destaca a influência que o foco da fé de milhões de pessoas exerceu e vem exercendo (também) na Literatura: “Na literatura universal, há muitas vidas de Cristo célebres: a de René Barzin é uma. Há filmes também. Mas há versões mais atuais na literatura e no cinema que contam a vida de Jesus de maneira mais adaptada aos tempos modernos, que permitem às pessoas identificarem-se com Jesus como se fosse um contemporâneo seu. Por exemplo, Frei Beto tem uma vida de Jesus intitulada ‘Entre todos os homens’. Muito boa. Ele pôs o nome dos seus amigos nos personagens. Até eu sou personagem desse romance. No cinema temos o filme de Denys Arcand, ‘Jesus de Montreal’, que mostra Jesus entre um grupo de jovens no submundo de Montreal, Quebec. Ou ‘Godspell’, que conta a história de Jesus como se fosse uim hippie em meio a um grupo hippie dos anos 1960 em Nova York. Tudo isso só demonstra como dois mil anos depois esse galileu que marcou para sempre a história da humanidade continua atraindo a atenção para si. Mesmo quem não crê é obrigado a admitir: o mundo era um antes de Jesus Cristo e é outro depois dele”. Face a estas considerações, nada tenho a acrescentar. E precisa?!!!

Boa leitura.

O Editor.



Quem foi que não

* Por Marcelo Sguassábia

Quem foi que não teve, certo dia, uma certa tia de nome Ruth, Dirce ou Ester que fazia compota de goiaba como ninguém, e que vendia o muito que não consumia a 16 o quilo pela vizinhança? E quem foi que não teve, olhando a compota, a impressão de serem orelhas de anão em calda de açúcar ou céus da boca vítreos?

Quem foi que não teve certo carro, de marca incerta com o passar dos anos, mas que levava todos a toda parte em tempo suficiente? E quem foi que não teve, dentro desse carro, o enjoo de criança no banco de trás, a caminho da montanha que no fim das contas não levava a nada que valesse a pena guardar na lembrança?

Quem foi que não teve certa veia torta, que palpitava de nervoso no pescoço ao ver passar o amor eterno que durou dois meses e depois mudou-se sabe Deus pra onde? E quem foi que não teve, desse amor não consumado, o desejo que tivesse sido – ainda que sem jeito e no meio do mato?

Quem foi que não teve certo desconforto de sentir-se ausente no meio da missa de sétimo dia do tio-avô do primo do amigo distante? E quem foi que não teve, no canto do ofertório, um olhar sacrílego e mal intencionado no decote enorme da filha da mãe daquela sirigaita?

Quem foi que não teve certa calculadora, daquelas pesadas, que mal calculava a obsolescência que se aproximava? E quem foi que não teve, na soma de tudo, zeros à esquerda dos zeros à esquerda dos zeros à esquerda bem depois da vírgula?

Quem foi que não teve certa camiseta, com emblema da escola, toda autografada com velhos amigos hoje desbotados? E quem foi que não teve, vestindo a camisa, uma vontade louca e irremediável de matar a aula, mesmo sendo a última de todas as aulas?

Quem foi que não teve certo resfriado que cobriu de mantas, de caldos e pílulas seu impulso insano de ganhar o mundo pela cachoeira fria e cristalina por onde desciam nove mil canoas? E quem foi que não teve, estando gripado, o colo materno que jamais supunha o que se passava pelos seus miolos na febre que ardia? Pergunto: sim, quem foi que não?

* Redator publicitário há mais de 20 anos, cronista de várias revistas eletrônicas, entre as quais a “Paradoxo”



Cada vez mais jovens

* Por Fernando Yanmar Narciso

Nossos antepassados, aqueles que morreram há 40 ou 50 anos, dificilmente conseguiriam viver no mundo moderno. Nessa era de constantes mudanças, o que representava coisas boas antigamente tem um enfoque totalmente diferente hoje em dia.

Se antigamente a palavra “respeito” era sinônimo de uma vida digna e honesta, família unida e nome limpo na praça, hoje ele é medido pela quantidade de medo que alguém é capaz de injetar no maior número possível de pessoas. Bandidos e traficantes estão aí pra não me deixar mentir.

Inconcebível hoje, mas antigamente as portas das casas viviam abertas. Era possível passar a noite sentado numa cadeiroca na varanda de casa, contando causos pros vizinhos, sem nenhum medo de ser agredido, estuprado, assaltado ou morto. Nossos avós também não eram bobos. A grande maioria deles mantinha uma carabina escondida atrás da porta para usar em casos extremos, mas elas ficavam lá, juntando poeira, na maior parte do tempo.

Com a escassez de aparatos tecnológicos, eles viam o tempo passando bem devagar, indo deitar assim que a noite caía, ou quando o Repórter Esso dava seus últimos acordes no rádio. Como havia pouca gente e poucos carros, não tinha necessidade de construir cidades maiores, e pelas mesmas razões, mortes por atropelamento eram raras. Podíamos passar uma tarde inteira no circo ou no zoológico, sem sequer pensar em todo o perrengue a que os “animais indefesos” eram submetidos diariamente.

Bem que alguns costumes japoneses poderiam ser adotados por aqui, como o respeito à terceira idade. Lá, os mais velhos recebem maiores salários à medida em que envelhecem, e quase sempre são tratados como “mestres” pelos mais novos, como fontes de sabedoria e sensatez, ao contrário de nossos costumes, que se resumem a encarcerar os idosos num asilo tão cedo quanto possível.

Bom divertimento!

* Fernando Yanmar Narciso, 26 anos, formado em Design, filho de Mara Narciso, escritor do blog “O Blog do Yanmar”, http://fernandoyanmar.wordpress.com



Sorte (microcontos)

* Por Gustavo do Carmo

Fatura

Foi sorteado e ganhou um mês de fatura paga pelo cartão de crédito. Mas foi exatamente no mês em que sua esposa estava se restabelecendo de um acidente no hospital. No mês seguinte, ela voltou a estourar o limite como sempre.

Acordando

Acordou sem inspiração e vontade para nada. Dormiu às cinco da manhã com um livro pronto para ser publicado.

Dormindo

Dormiu pensando que ia assinar um bom contrato para publicar o seu livro. Acordou e descobriu que teria que pagar pela edição.

Sono Profundo

Esperou tanto por uma oportunidade que acabou se cansando. Quando o jornal ligou para lhe oferecer um emprego, ele estava num sono profundo.

Sorte

Sempre acreditou que passar embaixo da escada dava sorte. E pra ele deu mesmo. Quando passou, caiu um martelo de obra em sua cabeça. Sobreviveu, mas levou alguns pontos. Ganhou uma indenização bem gorda.

Azar

Sempre acreditou que cruzar com gato preto dava azar. E pra ele deu mesmo. Quando tentou tirá-lo do seu caminho ficou todo arranhado.

Ágil

Teve uma ideia para escrever um livro que seria um best-seller e o livraria da dependência financeira do pai. Um grande autor teve a mesma ideia. Foi mais ágil e publicou mais um best-seller.

Supersticioso I

Não era supersticioso. Quando passou por baixo da escada, um martelo caiu em sua cabeça, afundando-lhe o crânio.

Supersticioso II

Não era supersticioso e não tinha medo de gato preto. Foi brincar com ele e levou um arranhão na jugular.

Espinhos

Era uma mulher tão sem sorte que conseguiu pegar a única rosa com espinhos no show do Roberto Carlos.

*
Jornalista e publicitário de formação e escritor de coração. Publicou o romance “Notícias que Marcam” pela Giz Editorial (de São Paulo-SP) e a coletânea “Indecisos - Entre outros contos” pela Editora Multifoco/Selo Redondezas - RJ. Seu blog, “Tudo cultural” - www.tudocultural.blogspot.com é bastante freqüentado por leitores



Gozo total

* Por Pedro J. Bondaczuk

A vida é bela, e fascinante, e misteriosa, por se tratar de permanente processo de renovação, embora paradoxalmente envelheçamos a cada dia que passa. É como um rio, cujas águas são sempre diferentes. A verdade é que estamos permanentemente nascendo e morrendo. Por isso, o problema do tempo nos afeta mais do que os outros problemas metafísicos. Porque os outros são abstratos. O do tempo é o nosso problema.

Todo novo dia é um presente que a vida nos concede. E a melhor maneira de mostrarmos apreço e veneração por ela, por esse magnífico mistério, que é, ao mesmo tempo, privilégio e desafio, é cultivarmos a alegria. É jamais nos deixarmos abater pelo que de ruim nos aconteça, ou ocorra ao nosso redor, mas sempre extrair lições dos sofrimentos e tragédias.

É atentarmos para os pequenos episódios positivos do dia a dia que, somados, se revelam maiúsculos, mas que, muitas vezes, entregues a tolas mágoas e estúpidos rancores, não sabemos valorizar devidamente. Viver é bom, é magnífico, é transcendental, sejam quais forem as circunstâncias. A atitude sábia e sensata é gozar a vida em toda a plenitude e grandeza, ou seja, de forma erótica, poética, sensorial, espiritual e transcendental.

Nada há, por exemplo, que se compare, em termos de genuíno prazer, à sensação de havermos cumprido o que nos cabia fazer. Ou seja, de termos feito nosso dever com diligência, dedicação e competência. Façamo-lo. Aliás, há outra imensa satisfação, sim, e única. É a certeza de havermos realizado um bem, qualquer que seja, a algum semelhante – conhecido ou estranho, parente ou não –, que tenha qualquer necessidade (material ou espiritual): uma dádiva, um auxílio, uma palavra de apreço, uma orientação ou um exemplo.

Cumprirmos nosso dever e fazermos o bem são fontes inesgotáveis de alegria. Quem duvidar, basta experimentar. São satisfações “democráticas”, ao alcance de todos, e não nos exigem nada de excepcional. Em contrapartida, nos dão compensação inigualável.

Podemos (e devemos) estar permanentemente predispostos ao bom-humor, à beleza e à alegria de viver. Com esta postura, podemos, é verdade, não resolver todos os problemas que eventualmente surjam no nosso caminho (e, certamente, surgirão muitos, dos mais simples aos sumamente complexos), mas, pelo menos, não os agravaremos, o que não deixa de ser considerável ganho.

Bem diz o povo que tristeza não paga dívidas. Temos que resistir à tentação de estarmos sempre com um pé atrás em relação ao próximo, tratando, quem não conhecemos, como inimigo em potencial. Cautela e desconfiança são duas coisas muito distintas. Devemos nos manter cautelosos, sim, mas não liminarmente desconfiados.

Já o êxtase do amor é outra dádiva que está ao nosso alcance, exigindo de nós apenas o cumprimento de uma única condição: reciprocidade. Ele altera nossos parâmetros de medida do tempo e do espaço. Faz com que nos sintamos, enquanto dura, eternos e infinitos, a despeito da nossa real pequenez e efemeridade.

Trata-se de sensação mágica, única, indescritível, que os mais competentes poetas não conseguem dar a mais pálida e aproximada idéia de como de fato é. Mas quem precisa deles? Melhor do que descrever, ou do que nos deleitarmos com descrições alheias, é sentir essa sensação de êxtase, de delírio, de pleno gozo.

Não tenhamos medo de colocar nossas pretensões e nossos sonhos muito no alto, perto das estrelas, fora do alcance das nossas mãos. Não economizemos nos “empréstimos de felicidade”, jamais abrindo mão de nossas esperanças, mas recorrendo mais e mais a elas. E ousemos em nos sentir como Madre Teresa de Calcutá se sentia: “um lápis nas mãos de Deus”, para escrevermos nossa própria biografia.

Viver, embora não pareça, é uma arte. Podemos fazer da nossa vida tanto um inferno, pior do que o descrito por Dante Alighieri, na “Divina Comédia”, de infinitos sofrimentos (físicos, morais e psicológicos), quanto uma coisa bela, aprazível, gozosa e sem igual. Esse é o desafio que cada novo dia nos apresenta, mas que temos capacidade de enfrentar e de vencer.

Tenhamos fé no futuro e façamos a nossa parte para tornar o mundo melhor, mais solidário e mais justo. Sejamos, sempre, a “cabeça” do corpo social, jamais a “cauda”. E ousemos exercitar nosso talento, não no sentido de buscar glória ou fortuna, mas de justificar a nossa existência.

Há algum tempo, li um poema, intitulado “Satori”, de Luís Augusto Cassas, e dele pincei uma estrofe, que transformei, desde então, numa espécie de mantra, de oração e mais, de verdadeira intimação, por resumir tudo o que aspiro (e que, certamente, você também, meu caro leitor).. Diz o poeta no referido trecho: “Vida/dá-me o gozo total:/erótico/poético/transcendental”. É só o que lhe peço a cada amanhecer de um novo dia. O resto... conquisto sozinho.

*Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas), com lançamentos previstos para os próximos dois meses. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com



Das épocas

* Por Washington Queiroz

para Bel Borba

Há uma sutil conspiração numa sala
onde um baú velho
dialoga com o século vinte.

* Poeta e antropólogo baiano, autor do livro “A dança dos véus – fantasia e fuga”.