quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Tapa na cara


* Por Urda Alice Klueger


(Escrito em 2003)


Teve gente, em 11 de Setembro de 2001, que foi lá nos Estados Unidos e derrubou umas torres – eu vi coisa muito mais sutil, faz pouquíssimos dias, lá em Brasília: foi um verdadeiro tapa na cara de um tal de George W. Bush.

Tudo começou em 27 de Novembro passado, quando o povo brasileiro elegeu Lula para Presidente da República. Como ser humano, como cidadã, como historiadora e como escritora, na mesma hora fiquei doidinha para ir até Brasília ver a posse daquele primeiro legítimo representante do povo brasileiro a postar-se ao leme do país. Saí perguntando: “Quem vai? Quero ir junto!”. Daqui de Blumenau, que eu saiba até agora, não foi ninguém – mas descobri que se organizava uma excursão daquelas bate-volta lá em Rio do Sul, e num instante estava devidamente engajada na mesma.

Fomos. Viajamos 30 horas de muita emoção, mas isto fica para outra crônica. O fato é que no dia 1º de janeiro do ano da graça de 2003, por volta da uma hora da tarde, como uns 200.000 outros brasileiros, eu estava na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, tentando caminhar em direção ao Congresso, para ver a posse daquele homem que estava representando as esperanças de quase 70% de um povo, e de mais uns vinte e tanto outros por cento também, porque teve pobre e miserável votando contra ele porque gente metida a sabida, mas que não se importa se as pessoas comem três vezes por dia ou não, dizia àquelas pessoas desamparadas pela fortuna que se votassem em Lula o Brasil ficaria igual à Argentina – e que aquelas pessoas perderiam o nada que tinham.

Bem, era uma da tarde de 1º de janeiro, e pela Esplanada dos Ministérios tomei o rumo do Congresso, munida de gravador, máquina fotográfica e binóculo. Queria chegar perto do Congresso para ver, mais adiante, Lula sair de lá Presidente. Não deu para chegar lá – a multidão, grande demais, foi contida pela polícia, antes que acontecessem acidentes tipo pisoteamento, etc. E, numa quadra muito distante, antes que Lula passasse pelo meio da multidão que era pura emoção, eu registrei no meu gravador: “Estou com medo. Ainda bem que aqui não é como Dallas, não tem prédios. Só os Ministérios. E eles devem estar bem vigiados. Mas estou com medo.” E olhava cuidadosamente, ao meu redor, para ver se não havia alguém portando algum tipo de arma.

Mais tarde, no ônibus de volta, soube que todos os meus companheiros tinham pensado coisa parecida e, como eu, tinham também espiado as suas redondezas, no medo de que algum louco estivesse no meio da multidão.

Nós, multidão, fomos liberados pela polícia para seguir em direção ao Congresso, depois que Lula passou incólume no nosso meio – mas paramos pelo caminho quando nos deparamos com os excelentes telões instalados por todos os lados, e nos sentamos na grama, e nos preparamos para ver aquele momento único na História do Brasil. Os telões eram tecnologicamente tão bons que nos sentíamos como que dentro do Congresso e, depois, no Palácio do Planalto. Cantávamos e aplaudíamos quando as mesmas coisas aconteciam lá adiante, nos recintos fechados, como se lá estivéssemos, e nem vou contar da grande, IMENSA vaia que sobrou para Fernando Henrique quando entregou a faixa e o posto.

Tá, as solenidades todas aconteceram, e sabíamos que Lula já Presidente viria passar em ziguezague no nosso meio, no meio da multidão. Mesmo dentro daquela imensa emoção, eu estava muito desassossegada – e se houvesse alguém com uma arma? Cuidadosamente, observava cada pessoa das minhas redondezas, e pensava coisas assim: “Se ver alguém com uma arma, jogo-me contra a pessoa, derrubo-a, faço um escândalo.” E Lula veio e passou, maravilhoso e sorridente, e depois soube que houve quem furasse a segurança e quase o derrubasse do carro, mas ali por perto de mim nada aconteceu, embora fosse muito evidente que qualquer um poderia aproximar-se do Presidente, bastava fazer uma forcinha. Mesmo com toda aquela emoção, respirei aliviada quando o Presidente se foi e os ares de Brasília passaram a ser cortados pelos aviões da Esquadrilha da Fumaça.

Mais tarde, no ônibus da volta, todos nós discutimos o assunto, e, pasma, soube que todos tinham pensado e feito a mesma coisa que eu: vigiado seus arredores, atentos e alertas, prontos para fazer qualquer coisa para defender o Presidente. Houve quem se disse capaz de jogar-se entre o Presidente se alguma arma que porventura aparecesse, tomar um tiro que não lhe era destinado. E eu não pensei, mas muitos outros pensaram em John Lennon, que foi morto por um fã, e não por um inimigo.

A grande conclusão à qual se chegou dentro daquele ônibus que rumava na direção do Sul do Brasil foi que quem garantira a segurança do Presidente, o tempo todo, fora o povo, aquele povo que viera de todos os lados do país para ver a mudança para um tempo de Esperança, e que defenderia o representante da sua Esperança até com a própria vida, se fosse necessário. Tapa na cara de um certo Bush, que com todo o seu sofisticadíssimo aparato de segurança, que quer incluir até uma coisa chamada “Guerra nas Estrelas”, não tem segurança nenhuma, e pode ter seu país detonado por qualquer um a qualquer hora. Nosotros, acá, não precisamos de “Guerra nas Estrelas”- temos um povo para nos dar segurança. A gente não costuma ficar fazendo maldade para os outros – basta-nos o nosso próprio povo para nos proteger.

E, só para encerrar, conto mais um pouquinho sobre a discussão que rolava dentro do ônibus. Houve quem defendesse que qualquer um de nós faria a mesma coisa por qualquer pessoa, e se estava naquele: “Qualquer pessoa mesmo? Tem certeza?” – quando alguém aprofundou a discussão:

E se a qualquer pessoa fosse o Bush?


Blumenau, 09 de Janeiro de 2003.


* Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR, autora de vinte e seis livros (o 26º lançado em 5 de maio de 2016), entre os quais os romances “Verde Vale” (dez edições) e “No tempo das tangerinas” (12 edições).




Nenhum comentário:

Postar um comentário