Mulherzinha
* Por
Analu Faria
Eu
cresci ouvindo histórias de desqualidades de mulher. "Fulana
teve só filhas, nenhum menino, porque era fraca" era coisa que
minha avó dizia. Provavelmente repetindo o que outros homens e
mulheres disseram para ela. Forte (fisicamente mesmo) era a mulher
que tinha filhos homens. Também ouvi muito - e ainda ouço -
"Trabalhar só com mulher é horrível", "Ai, que saco
essas reuniões de mulheres", "Que porcaria é essa de
ginecologia natural, empoderamento, essas coisas, hein?"
Cá
estou com uma vontade danada de ir a uma dessas "reuniões
de mulheres". Aliás, têm me aparecido um montão ultimamente.
"Bênção mundial do útero", "Roda de conversas
sobre ciclos femininos". Tudo o que eu fui ensinada a abominar.
Tudo rotulado de "maluquice". Quero muito.
Não
tenho a menor ideia de por que ando curiosa para ir a esses
encontros. Também não vou ficar me perguntando. O negócio é que
essa vontade recente me fez pensar se eu já não tinha essa
curiosidade antes e reprimia violentamente, porque as tais reuniões
são "coisa de mulherzinha". Fui chamada de "mana"
num grupo desses e quase saí correndo, muito mais por reflexo do que
por qualquer outra coisa. Desconfio que o desqualificador "-inha"
refira-se a essas mulheres que falam muito sobre coisas de mulher -
menstruação, o peso dos padrões de beleza, gravidez, ter ou não
ter filhos e outras bruxarias. Acho que a ideia que fiz de
"mulherzinha", a vida inteira, tem a ver com as que
reconhecem que têm hormônios, carreira, sentimentos, raiva e
compaixão e não se calam sobre isso.
"Não
faça a louca e fuja das que são" parece ser algo incutido nas
cabeças de nós mulheres, sem que alguém tivesse explicado o que
esse "louca" significava. A mulher que se enerva
perto da menstruação é louca? A mulher que protesta contra a
negligência emocional dos que a cercam é louca? A mulher que chora
compulsivamente durante a gravidez é louca? A mulher que xinga é
louca? A mulher que grita de dor é louca?
A mulher que se banha em sua "mulheridade" todo dia parece estar longe do estado de "não-loucura" a que todas devemos nos filiar para podermos passar à História como gente. Quanta delicadeza falsa será preciso destilar até que possamos decidir se - e quando - queremos ser delicadas? Quantos sorrisos comportados precisarão ser dados até que saibamos nos deliciar com nosso riso solto?
*
Jornalista
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