quinta-feira, 10 de agosto de 2017

Mulherzinha

* Por Analu Faria

Eu cresci ouvindo histórias de desqualidades de mulher. "Fulana teve só filhas, nenhum menino, porque era fraca" era coisa que minha avó dizia. Provavelmente repetindo o que outros homens e mulheres disseram para ela. Forte (fisicamente mesmo) era a mulher que tinha filhos homens. Também ouvi muito - e ainda ouço - "Trabalhar só com mulher é horrível", "Ai, que saco essas reuniões de mulheres", "Que porcaria é essa de ginecologia natural, empoderamento, essas coisas, hein?" 

Cá estou com uma vontade danada de ir  a uma dessas "reuniões de mulheres". Aliás, têm me aparecido um montão ultimamente. "Bênção mundial do útero", "Roda de conversas sobre ciclos femininos". Tudo o que eu fui ensinada a abominar. Tudo rotulado de "maluquice". Quero muito. 

Não tenho a menor ideia de por que ando curiosa para ir  a esses encontros. Também não vou ficar me perguntando. O negócio é que essa vontade recente me fez pensar se eu já não tinha essa curiosidade antes e reprimia violentamente, porque as tais reuniões são "coisa de mulherzinha". Fui chamada de "mana" num grupo desses e quase saí correndo, muito mais por reflexo do que por qualquer outra coisa. Desconfio que o desqualificador "-inha" refira-se a essas mulheres que falam muito sobre coisas de mulher - menstruação, o peso dos padrões de beleza, gravidez, ter ou não ter filhos e outras bruxarias.  Acho que a ideia que fiz de "mulherzinha", a vida inteira, tem a ver com as que reconhecem que têm  hormônios, carreira, sentimentos, raiva e compaixão e não se calam sobre isso.

"Não faça a louca e fuja das que são" parece ser algo incutido nas cabeças de nós mulheres, sem que alguém tivesse explicado o que esse "louca"  significava. A mulher que se enerva perto da menstruação é louca? A mulher que protesta contra a negligência emocional dos que a cercam é louca? A mulher que chora compulsivamente durante a gravidez é louca? A mulher que xinga é louca? A mulher que grita de dor é louca?

A mulher que se banha em sua "mulheridade" todo dia parece estar longe do estado de "não-loucura" a que todas devemos nos filiar para podermos passar à História como gente. Quanta delicadeza falsa será preciso destilar até que possamos decidir se - e quando - queremos ser delicadas? Quantos sorrisos comportados precisarão ser dados até que saibamos nos deliciar com nosso riso solto?


* Jornalista


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