sábado, 5 de novembro de 2016

Todo adolescente é idiota, mas...

Por André Falavigna



  
... Mas nós, nosso tempo, nós estamos superando todos os recordes até pouco tempo estabelecidos em matéria de cretinismo juvenil. Nós temos os adolescentes mais boçais desde a invenção da escrita. Eu sei, sou um antipático. Só antipáticos dizem essas coisas antipáticas. E o pior não é isso. O pior é que posso ser tão antipático quanto vocês queiram que, no frigir dos ovos (adoro ovos), vou continuar totalmente correto em minha proposição. Adolescentes são imbecis consumados. Lógico, há variações relativas ao meio, à época. Mais ou menos imbecilidade conforme esta ou aquela variável. Ao longo do tempo, neste ou naquele lugar, a coisa esteve pior ou, é verdade, melhor. Até chegarmos nós, os contemporâneos. Daí, fodeu. A coisa atingiu patamares nunca dantes imaginados. Não adianta chorar. Não adianta me xingar. Nós convivemos com a mais idiota leva de adolescentes que já caminhou sobre a face da Terra e, mais do que isso, estamos fazendo de tudo para garantir que a próxima seja pior ainda. Se não, vejamos.

Qualquer pessoa sensata, o que exclui quase que a totalidade dos adolescentes conhecidos, percebe facilmente a relação entre bobagens e idade. Isso não quer dizer que o camarada, quanto mais velho fica, torna-se mais esperto.  Trata-se apenas de trabalhar cada caso individualmente: mesmo os tipos mais estúpidos o eram mais estúpidos ainda na juventude, ao menos em regra. Adolescentes ainda não são adultos e já não são mais crianças. Da infância, perderam boa parte da imaginação, do brilho, do contato com qualquer coisa sagrada que ainda há no início de tudo e que, com o passar dos anos mundanos, se eclipsa para ressurgir somente muito mais tarde, lá no final de nossas vidas, quando estamos mais uma vez perto do início de tudo. Conservam apenas o ímpeto, a postura autocentrada, a incapacidade para a concentração e a contemplação. O egoísmo.

Da idade adulta, têm pouco ou quase nada do que a torna digna de ser vivida: adolescentes não sabem comer, não sabem dormir, não sabem meter, ouvir música, ler, rezar, trabalhar, cozinhar, aprender – adolescentes simplesmente são seres que se pode definir como aqueles que não sabem. Em tudo pecam por excesso ou desídia. Em compensação, querem fazer crer aos outros que sabem tudo, o que é muito diferente de acreditar-se de verdade que se sabe tudo. Trata-se não de pretensão, mas sim de covardia pura e simples. Tanto é assim que, nessa fase da vida, o camarada só é sabichão em duas hipóteses: em bando (ou sob qualquer outra vantagem física muito nítida), ou diante de pessoas que jamais lhe fariam verdadeiro mal: pais e professores.

Ora, mas tudo isso é natural, é mesmo inevitável. Se essa idéia é mesmo verdadeira, nunca parei para pensar a respeito. Que seja. O que não é natural é que, diante de um estado de coisas que reputamos como incômodo, ainda que incontornável e temporário, queiramos ver a coisa se prolongando. É assustadora a quantidade de homens de quarenta anos com os quais converso que não me oferecem nada mais que leviandade, inconseqüência, irresponsabilidade e que, pior de tudo, afetam algo como certo desprendimento independente, certa aura hippie. Nada mais, nada menos do que adolescentes com um bom salário ou algum rancor. São eles que criaram essas bestas-feras com as quais convivemos hoje em dia. Essas bestas-feras é que nos darão o futuro. Vai ser divertido. Vou mostrar como.

Um de meus padrinhos de casamento é o Álvaro, que já esteve aqui em outras crônicas. Feliz ou infelizmente, faço amigos muitas vezes bastante mais velhos do que eu. Eles, por sua vez, apresentam-me amigos de sua faixa etária. O círculo se amplia. Recentemente, fui à casa de campo de um desses amigos que fiz por intermédio do Álvaro. Churrasco, bebida, essas coisas boas. O camarada tem dois filhos. Saudáveis, inteligentes, universitários, fortes como touros. Verdadeiramente motivo de orgulho. Esses filhos, naturalmente, têm lá seu círculo social. Todo mundo gente boa, sem muita maldade, ninguém aparentemente disposto a socar faxineiras na rua e, depois, justificar-se sob a original alegação de que a julgavam prostituta. Muito bem. Eu e Álvaro dedicamos alguns minutos de nossa atenção à conversação desse pessoal. Coisa impressionante.

Não pelos temas. Os temas são os mesmos pelos séculos e séculos: buceta, buceta, buceta e, por último mas não somente, buceta. Coisa perfeitamente normal. Já chego ao que me causou impressão.

Não foi a atitude. As atitudes são as mesmas pelos séculos e séculos: eu sou melhor que você, por isso como mais bucetas. Sou foda, e daí? Vejam como sou foda, vejam como sou foda, muito foda, foda a valer. Por isso as bucetas amam a mim e não a você. Eu arrombo tudo, sou fodão, cadê as bucetas? Coisa até banal, não é isso que me espantaria.

Nem a falta de educação que é mais inocência, que é corrigível. Aquilo, de chamar o pai do amigo, trinta anos mais velho, de “véio”. De chamar a mãe dos outros de “você”, pedir-lhe mais e mais comida e esquecer-se de lhe dizer “obrigado”. Isso tudo um bom esporro resolve. No máximo, uns tapas.

O que nem esporro nem tapas podem resolver é que, na grande maioria dos casos, os elementos desta geração simplesmente não conseguem dizer o que querem. Eles não sabem as palavras certas para designar o que conhecem e, aos poucos, não conhecem mais o sentido não do que estão dizendo, mas do que poderiam querer dizer se possuíssem qualquer coisa remotamente parecida com um vocabulário. Os caras utilizam, no máximo, umas cento e cinqüenta palavras, muitas das quais significam, entre si, a mesma coisa (como véio, mano e chegado). Mais dia, menos dia, vão ficar burros. O que é uma pena, porque muitos teriam sido brilhantes se, três ou quatro décadas atrás, alguém não tivesse levado a cabo a fantástica idéia de reformar a educação de modo a não exigir que ninguém aprendesse mais merda nenhuma e, ainda, não fosse obrigado a provar que aprendeu o que deveria ter aprendido.

Não se trata de lançar mão de gírias, de locuções passageiras instauradas e depostas pela moda, de giros verbais que esclareçam ao menos superficialmente alguma idéia. Isso sempre houve. O que estou dizendo é que as idéias mesmas já não podem ser percebidas, que a capacidade de abstração vai se embotando e, junto com ela, a própria percepção de coisas muito concretas. Duvidam? Tentem convencer qualquer pessoa com menos de 25 anos de que determinado livro possui, tanto intrinsecamente como por sua relação com diversos elementos externos, mais valor (técnico, estético, moral) do que outro livro. Por mais que você explique que a literatura possui um quadro de exigências montado ao longo de milênios, que você aponte para o fato indiscutível de que há uma imensa produção crítica em torno dessa atividade, que você prove por A mais B que há como se referenciar determinada obra em relação a todas as outras e a um padrão axiológico e que tudo isso implica em reconhecer que as coisas do mundo podem (e muitas vezes devem) se diferenciar pela qualidade, o camarada só vai compreender que você ainda não “sacou” que “gosto é gosto”.

Digam o que disserem os pedagogos do mundo todo: a cada geração que vira, é mais difícil encontrar gente capaz de construir ou compreender qualquer raciocínio complexo que não se relacione com o que se convencionou chamar de “ciências naturais”. São esses caras que vão mandar na gente dentro de vinte, vinte e cinco anos.

Hoje, fui ao prato feito que há aqui do lado. Pedi ovos moles. O garçom voltou dizendo-me que a Vigilância Sanitária havia passado por ali e dito que ovos moles não podiam. Já trabalhei em empresas nas quais se almoça em bandejões e conheço a conversa: a salmonela vai te pegar, a salmonela vai te pegar. Insisti, e desistiram de me convencer. Serviram-me ovos moles. Um dia, não servirão. Um dia, a Vigilância Sanitária não será somente influenciável pelo irracionalismo (não me passem atestado de burrice pedindo-me para explicar a absurdidade da exigência de cozimento dos ovos, porque vou ter que responder sem dó), ela mesma será agente difusora da imbecilidade. Os mano, as mina, os véio vão chegar lá nas parada da Vigilância e seguirão o mais científico protocolo aí de engenharia social voltada para o bem comum social aí para, depois, esmerilhar radical uma legislação da hora aí, tá ligado, seu playba? Todo mundo de carro importado e ouvindo os Racionais, com um adesivo do São Paulo e outro do Che no vidro de trás, estourando um baseado entre uma e outra imprecação contra o capitalismo e a sociedade de consumo. Olha só que coisa boa estamos arrumando.

Tá ligado?

(*) André Falavigna é escritor, tendo publicado dezenas de contos e crônicas (sobretudo futebolísticas) na Web. Possui um blog pessoal, http://ofalavigna.blog.uol.com.br,  no qual lança, periodicamente, capítulos de um romance. Colabora com diversas  publicações eletrônicas.






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