Em abril, a mística da vida
* Por
Rubem Costa
Aniversário, qualquer
dicionário ensina, é palavra que vem do latim e significa — o que volta todo
ano. Repetição do ontem que se torna presente hoje, trazendo lembranças que
alegram o espírito e confortam o coração. Festeja-se o aniversário do
nascimento porque nele está ínsita a presença imemorial do ser como pessoa,
afirmação de uma existência que um dia também vai-se escoar, deixando, entanto,
concentrada na memória, a imagem corporal e moral de seu viver. Perante o corpo
imóvel e a alma ausente, também se consagra a morte do seres que dignificando o
sonho souberam edificar a vida.
De qualquer forma, ao
ente enquanto vive, aniversariar implica em um ato de crença. De crença em si
mesmo como pessoa atuante diante do mistério das origens que, à falta de melhor
explicação, empresta à criação a presunção divina. À medida que pensamos,
presumimos, como Descartes, que somos, que existimos.
E por aí, na esteira
da crença, descobrimos a vida que precisa ser comemorada. Semana passada, no
espaço de quatro dias fui convidado para três festas de aniversário. Gente de
meu bem-querer que vive na minha lembrança e mora no coração. Gente que se
agrada da vida e agrada por estar viva. Gente cuja presença é motivo de alegria
e dá alegria a quem a conhece. Assim, a comemoração alegrou-me com prazeroso
convite à emoção. Três pessoas que passeiam na amizade.
Primeiro, apraz-me
lembrar da festa de dona Dirce, aniversariante no dia 11, uma dama serena,
imagem de paz, que justifica a vida com o privilégio de ter oferecido ao mundo
duas criaturas admiráveis: Walmir, com quem mora e a repleta de afeto e Maria
Glória que, casada com José Roberto, meu filho, me dá, sem pleonasmo, a glória
de ser seu sogro. Gloriosamente festejou o “nat” dia 9. Em sequência, no
domingo, foi o almoço na chácara do Expedito (Ramalho Alencar). Valeu a lógica.
Acadêmico em três sodalícios de cultura e presidente do IHGCC, não podia deixar
de ter a casa cheia para render homenagem a seus méritos. Foram festejos alegres
acariciados pelos ventos de abril.
A Bíblia não conta,
mas tenho fundada suspeita que foi no quarto mês do ano que Deus completou o
mundo. E não estou sozinho nesse pensar, tanto que o grande Vicente Carvalho,
poeta santista, que veio ao mundo em 5 de abril de 1866 e faleceu a 22 do mesmo
mês em 1924 — um “abriliano” completo — assim saudou o seu nascimento: — Quando
nasci, raiava o claro mês das garças forasteiras / Abril, sorrindo em flores
pelos outeiros, / nadando em luz na oscilação das ondas / desenrolava a
primavera de ouro! Um poema de glorificação à vida que me traz emoção ao
espírito, porque toda minha vida tem sido uma jangada a navegar na oscilação
das ondas do mês, empurrada pela brisa suave de três grandes mulheres: Minha
mãe, Olívia de minha saudade, rosa de amor que me deu à vida, rosa de vida que
me deu amor, que numa tarde de abril se despediu, deixando-me a bênção de sua
eterna presença. No instante de mágoa, ao meu lado, já estava Ida, que foi meu
cajado nas encostas pedregosas e meu guarda-chuva nas horas de tempestade;
esposa, a primeira, doce companheira que em cinquenta e oito anos de
convivência sempre fez para mim raiar em festa o mês de abril. Quando partiu,
quase sem tempo de dizer adeus, chorei. Chorei no quarto sozinho, enquanto lá
fora, na noite vazia, uma chuva indiferente, escorrendo pela lembrança,
pipocava na vidraça.
Foi quando surgiu
Marilene, que trazia em si o signo do conforto, desde a circunstância irônica
de ter vindo ao mundo no mesmo ano e dia de abril em que Olívia fechou
perenemente os olhos, do mundo partindo.
Adivinhando que a dor
que mais dói é a noite vazia no quarto sozinho; abriu-me de novo a janela para
a vida e me ofereceu a manhã de primavera que agora lhe retribuo nestes versos
de abril:
Manhã de luz,
Manhã de cores
No meu jardim,
Manhã que esplende
E põe o sol
Junto de mim.
Manhã de calma,
Serena,
Enternecida,
Manhã de paz,
De afeto e gratidão
Que faz o amor
Brilhar em cada dia,
Iluminando
No caminho,
Na descida
O alegre entardecer
De minha vida.
Você!
*
Professor, jornalista e escritor, membro da Academia Campinense de Letras.
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