domingo, 6 de novembro de 2016

Atalho para o amor


O amor sempre foi, é e será mistério insondável para os que tiveram a ventura de passar por essa experiência marcante, a mais profunda e compensadora da nossa vida. Quem nunca passou por ela, porém, não tem (e nem pode ter) a menor noção da sua intensidade e transcendência.

Às vezes convivemos anos com uma pessoa do outro sexo, pela qual não sentimos nada de especial e com quem, não raro, brigamos continuamente, achando, até, que a detestamos e que a recíproca seja verdadeira. Lá um belo dia, porém, sem nenhum aviso ou explicação, nos sentimos irresistivelmente atraídos por esse alguém, a ponto de o considerarmos o centro e a razão de nossas vidas.

Caso haja correspondência, vivemos, então, momentos de delírio e de sofrimento inigualáveis, que nenhum outro tipo de sentimento provoca. Mesmo que não correspondidos, no entanto, essa emoção ímpar, brotada, literalmente, do nada, marca nossas vidas para sempre.

Mas o amor é caprichoso e não raro injusto. Idealizamos uma parceira perfeita, que satisfaça todas as nossas expectativas físicas e emocionais. Quase sempre, porém, na convivência real, na maçante rotina do dia a dia, caso os dois parceiros não continuem alimentando, mutuamente, a fantasia da perfeição que os atraiu e ligou, os defeitos reais de ambos se tornam visíveis e, às vezes, insuportáveis. E, se não forem tolerados por uma das partes, ou por ambas, o afeto mútuo que os atraía, e que julgavam que seria eterno, sofre morte súbita.

O amor que consegue sobreviver a esses instantes de lucidez e insatisfação, se perpetua e acompanha o casal até a morte. O que não sobrevive... Mas mesmo quando acaba, deixa vestígios de ternura e encantamento na alma e na memória dos amantes, tenham  ou não consciência disso.

Concordo, no entanto, com Vinícius de Moraes quando acentua: “o amor é eterno, enquanto dura”. O delírio, causado por esse sentimento, em seu auge, pode ser simbolizado por estes tercetos do “Soneto XVI”, do poeta araraquarense Raphael Luiz Thomas, que dizem:

“Não sei que força esplêndida e plangente
no coração o amor me vai soprando
em me levando a esse suspiro infindo...

Não me importa saber – sentir somente:
vivendo em ti eu morrerei cantando,
morrendo em mim tu viverás sorrindo!”

Que o amor, em todas as suas formas e variações, é o maior sentimento que o ser humano pode ter, é ponto pacífico. Disso restam poucas dúvidas (se é que haja alguém que duvide). Todavia, por estranho que pareça, o tema é verdadeiro campo minado para os poetas que busquem a originalidade e a perfeição.

Quase sempre, ao abordá-lo, ele resvala para a mesmice, o lugar-comum, até para a pieguice, para o seu desespero e frustração. As metáforas, não raro, são pobres, os versos são vacilantes e o conjunto do poema é até pueril. Exagero?! Não!

Claro que há magníficos poemas de amor, recitados por apaixonados ao redor do mundo e através dos tempos. Isso não quer dizer que o tema seja de fácil abordagem. E por que tanta dificuldade? Por incompetência do poeta? Nem sempre (ou quase nunca). Ocorre pela própria intensidade e complexidade desse sentimento.

Concordo com Fernando Pessoa, quando constata a propósito: “A melhor espécie de poema de amor é, em geral, escrito a respeito de uma mulher abstrata. Uma grande emoção é por demais egoísta, absorve em si própria todo o sangue do espírito, e a congestão deixa as mãos demasiado frias para escrever”. E olhem que Fernando Pessoa, do alto do seu talento, sabe o que diz. 

Embora não se possa afirmar com segurança – já que não nos é dado o privilégio de conhecer, sequer, nossas mais íntimas intenções, quanto mais a dos outros – tenho a intuição de que nem as piores feras humanas, os homens mais sanguinários e maus, estão satisfeitos com essa condição.

Tudo indica que, na verdade, querem ser justos e bons e sonham em ser amados, como qualquer pessoa normal. São, porém, atropelados pelas circunstâncias, pelas deficiências (ou ausência) de educação, por taras congênitas que escapam ao seu controle e vontade, por infâncias infelizes em lares violentos e desestruturados, pela influência do meio em que nasceram e cresceram etc.etc.etc.

Creio, piamente, na bondade latente do homem. Alguns optam apenas por ela e se tornam admirados e amados por gerações e gerações. Outros, talvez a maioria, acabam por se deixar abater pelas circunstâncias e acumulam ódios, ressentimentos, mágoas e espírito de vingança contra a sociedade que, em suas mentes doentias, é a fonte de todos os seus males.

Conversei com vários marginais – tidos e havidos como bandidos irrecuperáveis, sanguinárias e impiedosas feras humanas – e senti, em todos eles, sem nenhuma exceção (posto que em intensidades diversas) que seu sonho supremo na vida (para eles fantasioso e irrealizável) era o de serem amados e admirados por alguém (não importa quem), embora nenhum admitisse culpa por seus atos horrendos e criminosos.

John Steinbeck escreveu a respeito, no livro “A Leste do Éden” e constatou: “Na incerteza, estou convencido de que, por baixo de suas camadas superiores de fragilidade, os homens querem ser bons e querem ser amados. Na verdade, a maioria dos vícios é uma tentativa de atalho para o amor. Quando um homem morre, não importa qual tenha sido seu talento, influência e gênio, sua vida foi um fracasso se morreu sem amor; sua morte é um frio horror”.

Também estou convicto disso, pelas observações que tive a oportunidade de fazer ao longo dos anos. Se são exatas, ou não, claro, não tenho a menor condição de assegurar. Mas a intuição me sussurra que são corretíssimas. E confio nela para extrair minhas conclusões do que observo.

Boa leitura!

O Editor.

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