Excesso de paixão por
pouca coisa
O futebol é modalidade
esportiva peculiar, por uma série de razões. As observações que posso fazer a
respeito são óbvias, mas poucos se dão conta delas. Acompanhem meu raciocínio. Os
esportes são permanente desafio às habilidades humanas. Cabe-lhes, a caráter, o
lema: “mais longe, mais alto, mais rápido”. Praticamente todas as modalidades
se enquadram em um ou outro desses objetivos. O futebol, no entanto, de uma
forma ou de outra, reúne todas as três metas, simultaneamente. As competições
esportivas são individuais ou coletivas. No primeiro caso, o desafio do
praticante é superar os próprios limites: correr (ou nadar) mais rápido, saltar
mais longe ou mais alto e, em caso de lutas, superar o oponente respeitando
regras definidas. Nas modalidades de arremessos (de disco, martelo ou dardo), o
que conta é a distância atingida. E a disputa de força (halterofilismo), tem
por objetivo elevar acima da cabeça a maior quantidade de peso.
Há competições
individuais em que o limite a ser superado é o adversário, ou seja, é fazer
mais pontos do que ele. Enquadram-se nesta categoria, por exemplo, o tênis (de
campo e de mesa) e o golfe, das que me lembro. Nelas o que conta é a maior pontuação
obtida. Os esportes que se definem por este meio são, majoritariamente, os
coletivos: basquete, vôlei, hóquei (no gelo, na grama ou sobre patins), beisebol,
rugby, pólo (de campo e aquático), críquete, futebol americano e... o nosso
futebol (que os norte-americanos chamam de “soccer” e os italianos de “calcio”).
Essas modalidades são consideradas, por suas características competitivas, “jogos”.
Todos esses tipos de
esportes coletivos são praticados com ênfase quase exclusiva nos membros em que
o homem é, disparadamente, mais habilidoso. Ou seja, nos superiores, notadamente
as mãos. As pernas e os pés servem somente para imprimir velocidade e impulsão.
O futebol de campo – este que é a grande paixão de mais da metade da humanidade
– é o único que prioriza os membros inferiores. É jogado com os pés. Há,
somente, duas exceções: o goleiro, que pode utilizar as mãos, mas somente em
espaço restrito, delimitado pelo que é chamado de “grande área”. E os demais
atletas na reposição de bola sempre que esta sai pelas laterais.
Muitos lembrarão que a
cabeça é bastante utilizada e que há jogadores com grande habilidade no seu uso,
sobretudo na grande área adversária, na tarefa de empurrar bolas alçadas para o
gol. Ou para rebatê-la, evitando que o oponente vaze sua meta. Mas não se trata
de utilização, digamos, “dominante”. O que conta, de fato, é a habilidade com
as pernas e os pés (notadamente estes). Ou seja, com os membros que o homem
sempre mostrou ser menos hábil. É certo que, fora do futebol, há quem faça
maravilhas com os pés. Conheço pessoas (e o leitor certamente também conhece,
por já haver visto algum vídeo a respeito na internet) que fazem maravilhas com
eles: pintam quadros, tocam instrumentos e até escrevem. Estes, todavia, são
raridades. Por isso, chamam tanta atenção quando identificados.
Fico me perguntando, e
com bastante freqüência, “por que o futebol desperta tanto interesse e apaixona
tanto se, comparado com outras modalidades, tende a ser um dos mais monótonos”?
Por exemplo, as contagens de um jogo tendem a ser baixas – não raro, nenhuma
das equipes logra fazer um único e reles gol – a menos que haja brutal
diferença técnica entre os times quando, aí sim, se verificam goleadas. Nesse
aspecto, as contagens do basquete, por exemplo, humilham as do futebol. Outra
modalidade, mais farta em pontuação, é o rugby, apontado como sua raiz e
precursora. Há disputas terríveis, monótonas, de dar sono, em vários e vários
jogos do tal “esporte das multidões”, inclusive válidos por Copas do Mundo. Ainda
assim... Não há nenhum outro esporte, mas nenhum mesmo, que sequer se aproxime
dele em termos de interesse e de paixões despertadas nos que o assistem e
escolhem algum lado para torcer. E sempre escolhem. Desconheço alguma disputa
em que os espectadores permaneçam completamente neutros, estáticos, silenciosos
e impassíveis, agindo como agem, por exemplo, as platéias de teatro ou de
cinema, limitando-se a assistir os “espetáculos” (nem sempre tão “espetaculares”)
sem tomarem partido por algum dos lados.
Ressalto que não estou
criticando os torcedores – a menos que,
claro, cometam, excessos e, portanto, protagonizem cenas de violência
(infelizmente cada veaz mais comuns, sobretudo nos estádios brasileiros).
Apenas não entendo, de maneira objetiva, a razão de tamanha popularidade desse
esporte em relação a tantos e tantos outros. Não compreendo, sobretudo, minhas
próprias reações face disputas futebolísticas, dada até minha educação
rigorosamente cartesiana e racional. Todavia, em um campo de futebol, sem que
sequer me dê conta, explodem intensas paixões em meu íntimo, que exteriorizo á
minha revelia, mas que nem mesmo sabia que tinha. Racionalmente, admito que é
excessiva energia emocional despendida por tão pouca coisa. Porém... Vá se
entender o comportamento humano!
Boa leitura.
O Editor
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk. .
Eu sou contida e até na hora do gol ajo com comedimento, porém, quando o gol acontece para nos salvar no último minuto, posso manifestar alguma vibração, mas não é meu habitual.
ResponderExcluir