O Romance Histórico
como referencial histórico e literário na Literatura lusófona
* Por
Urda Alice Klueger
Pela vida afora defendi
que uma grande quantidade de pessoas muito gosta de História, desde que as
informações a respeito sejam dadas a elas
de maneira simples e agradável, como é o caso de boa parte dos
romances-históricos - pois os há, também, de péssima qualidade de texto e muito
duvidáveis quanto a possíveis pesquisas que o autor tenha feito para que seu
romance possa ter a classificação de "histórico".
Só vim a ter um
substrato científico para tal agir e
pensar quando, fazendo o Curso de História da Universidade desta cidade, como
aluna da grande professora Dra. Maria Luiza Renaux, tive a grata surpresa de
vê-la sugerir, como complementação ao nosso aprendizado sobre História Antiga,
a leitura de diversos romances-históricos. Está claro que ela nos aconselhava a
ler o que de melhor havia em matéria de credibilidade e texto.
Após este preâmbulo,
acho que vale falar de como o romance vai entrar na minha vida de uma forma que
vai me levar para o caminho da História, e tanto quanto me lembro, o primeiro
que me deu tal sabor e prazer foi um livro chamado "O Egípcio", de um
autor chamado Mika Waltari, que até hoje não sei de que nacionalidade é e nem
sei se pronuncio corretamente o seu nome. Foi um importante primeiro momento de
ligação Literatura/História na minha vida, e que acabou por afetá-la para
sempre.
Neste encontro, no
entanto, devemos falar sobre a Literatura Lusófona, e voraz leitora que fui
desde a alfabetização, fica difícil, para mim, lembrar e falar da grande
quantidade de autores brasileiros que devorei - quando bons - ou que detestei -
quando de pouca qualidade - mas que, de uma forma ou outra, trouxeram-me tantas
facetas deste meu imenso Brasil que nós, colonos de Blumenau até hoje, talvez
nunca tivéssemos tido notícias, na nossa ignorância um tanto quanto feudal, se
a Literatura não nos tivesse feito caminhar por seus caminhos e nos levado a
aprender milhões de coisas sobre os mais diversos pontos do Brasil, nas suas
mais diversas facetas.
Também Portugal foi
alguém que foi entrando na minha alma de colona de poucas luzes através,
principalmente, do romance, e fico a lembrar, aqui, de Júlio Dinis e "As
pupilas do senhor reitor", talvez o primeiro romance português que tenha
lido, ainda lá na infância. Era um mundo novo, que me trazia palavras e
visões inteiramente novas, e fico
pensando que foi lá que li pela primeira vez palavras como "urze",
com certeza uma vegetação de lugares onde habitam fadas e namorados, e que até
hoje eu ainda não tive a oportunidade de conhecer pessoalmente, embora já tenha
andado por aquele país.
Meu conhecimento da
Literatura portuguesa vai aumentando conforme o tempo vai passando, e
aumentando, com ele, o conhecimento sobre um Portugal que antes fora menos que
uma nebulosa, já que me criei nesta cidade na qual, naquela altura, tinha seus
olhos voltados muitíssimo mais para a Alemanha do que para o país que nos
gerou. Lembro da surpresa que foi encontrar-me com Alexandre Herculano, lá na
adolescência, e seu "Eurico, o Presbítero"! Era um mundo inteiramente
novo no qual talvez nunca tivesse entrado se não tivesse um romance que fizesse
a ponte entre eu e o quase desconhecido, ainda, Portugal!
E quanto me lembro da
emoção que foi ter entrado em contato, um dia, com o inigualável Eça de
Queiróz, em cujas águas naveguei como uma caravela em tempo de muito vento!
Penso que, mais que todos, foi o grande mestre Eça quem trouxe Portugal para a
minha vida e o meu coração - mais tarde, quando o soube embaixador, quase
sempre distante da pátria, foi que pude entender a força da saudade que o movia
para contar tão bem o seu país, a ponto de me levar a me sentir bastante
portuguesa também. Um dia, em Lisboa, diante da casa onde ele se hospedava
quando de férias na pátria, quedei-me a refletir sobre suas tantas histórias,
seus tantos personagens, a lembrar-me de episódios de "A Relíquia"...
Eça me dera uma nova raiz no mundo lusófono, fizera-me ultrapassar as barreiras
do Brasil e a me identificar com o povo das margens do Tejo como se fosse gente
minha... e quando fui a Sintra, e quando fui a tantos lugares, como me era
quase vivo na boca o gosto das suas queijadinhas, e de tantas outras coisas que
ele escreveu com a pena da saudade...
O tempo aqui é curto,
não é possível lembrar-se de tudo, mas é impossível deixar-se de citar alguém
como José Saramago, um gênio que levou Portugal para o mundo com tanta força
quanto seus navegadores, e precisaríamos de algumas horas para falarmos apenas
dele, mas acho que se lembrarmos o discurso que ele deu quando do recebimento
do prêmio Nobel de Literatura, contando as friagens e as ternuras de um
Portugal rural que não se imagina estando-se em Lisboa, e muito menos é
possível imaginar-se num lugar como Estocolmo, já teremos dado uma preciosa
amostra do grande Saramago, uma amostra que é como um pequeno brilhante num
colar...
Meu mundo lusófono,
porém, não se restringe a Brasil e Portugal, e aqui incluiria um outro nome que
é português de direito, mas que é quase como que um outro mundo: as Ilhas,
principalmente as dos Açores. Tenho lido muita da sua literatura, e Açores e
Santa Catarina são como que mundos de mãos dadas, e torna-se impossível
deixar-se de citar tal coisa.
O fato é que, ao longo
da vida, tenho lido os romances de diversos lugares do mundo lusófono, como os
dos países africanos, por exemplo, e também tenho feito amigos escritores de
língua portuguesa que vivem nos mais inesperados lugares, como dentre as neves
do Canadá, por exemplo, e sempre há mais e mais a se aprender de cada um, a
cada texto - e muito através dos romances históricos, que como que contam o
substrato das vidas das gentes de fala lusa por este mundo de meu Deus!
Tive a oportunidade,
também, de mergulhar com muito mais profundeza na literatura de Moçambique ao
ir àquele país, já que dificilmente os autores africanos de língua portuguesa
adentram ao Brasil, que prefere se locupletar com lixo estadunidense e outros,
evitando que seus cidadãos e cidadãs tenham um real aprendizado na leitura,
coisa tão a gosto dos donos do Capital.
Tivera a oportunidade
de travar amizade e conhecer textos de Mia Couto antes de ir à África, o único
moçambicano, tanto quanto eu saiba, que conseguiu a proeza de atravessar o Atlântico
e chegar às nossas livrarias.
Em Moçambique, no
entanto, fui descobrir uma pródiga literatura que por lá fica escondida, e aqui
deixo de falar do romance-histórico para me referir ao conto, à crônica, à
poesia, ao romance, à literatura moçambicana em geral, que como que forma um
único e grande romance-histórico que vai falar, sempre, de todos os ângulos
imagináveis, da sangrenta e violenta colonização e pior descolonização que
aquele país sofreu. Voltei de Moçambique com uma mala a mais, pejada de livros
moçambicanos, que são como uma chaga viva no meu peito que não fazia idéia do
que passara aquele país irmão. Fui ler tais livros já no Brasil, e era-me quase
que impossível coaduná-los com a realidade vivida com aquela gente faceira,
risonha e alegre, que emergira de uma guerra de mais de duas décadas há apenas
quatro anos, quando eu lá estava. Ah! Não fossem os escritores moçambicanos e
aquela mala que trouxe a mais no avião, e talvez nunca ficasse sabendo por
outro meio das agruras, amarguras, angústias e dores que aquele povo passou com
a colonização e a descolonização. Depois daquele meu violento contato com a
literatura moçambicana, acho que me acordei para sempre da total importância
que o escritor tem como testemunha da História e como responsável pelas
denúncias do seu tempo. Não tivessem os escritores moçambicanos feito o seu
trabalho como o fizeram, e hoje poderíamos pensar que tudo sempre fora aquela
coleção de sorrisos lindos daquela gente bonita que lá vive!
Extrato
de palestra proferida no Encontro de Literatura Lusófona, realizado em Blumenau, em
junho de 2008.
* Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda
em Geografia pela UFPR
Nenhum comentário:
Postar um comentário