Meu reino por uma
adaptação!
* Por Fernando Yanmar Narciso
“Temos agora o inverno de nosso descontentamento feito glorioso sol por este astro-rei de York...”
Hora de elevar um pouco o nível nessa tapera digital! Apesar
de a maioria das pessoas só se lembrar de William Shakespeare por ter escrito Romeu e
Julieta, o Bardo foi um verdadeiro canivete suíço, assinando de tragédias
gregas a comédias que só conseguiriam fazer rir quando acompanhadas de um
dicionário de Inglês medieval/ Português. Qualquer autor nascido após o século
16 foi de algum modo inspirado por sua eloquência verborrágica e sua obsessão
com o lado afrodescendente da Força.
Pergunte aos novelistas da Rede Globo e eles dirão
a mesma coisa: Quem pretende criar um vilão inesquecível ou um anti-herói capaz
de gerar empatia e ódio ao mesmo tempo, precisa antes recorrer a Shakespeare e
depois a algum documentário sobre José Dirceu. Afinal, foi o próprio quem
debutou esse tipo de personagem em sua histórica peça Ricardo III. Apesar de
relatar fatos reais, o pedido da Realeza de então foi para que Billy Shaky
desse um upgrade na realidade e escrevesse uma peça escarnecendo a Família Real
anterior, e como o poeta o fez!
A história se passa no final do século XV, ao fim da Guerra das Rosas (Nome másculo...), travada entre as famílias de Lancaster e York, da qual a segunda casa saiu vitoriosa e Eduardo IV tornou-se rei da Inglaterra. Nos bastidores, o corcunda, ambicioso e nojentão Ricardo, duque de Gloucester e irmão mais novo de Eduardo, tem como principal hobby tramar contra seus irmãos, planejando a morte de cada um deles até que o Parlamento não tenha outra escolha senão coroar-lhe rei, seguindo uma estranha profecia de que “G, herdeiro de Eduardo, ascenderia ao trono”. Para tanto, consegue fazer com que Eduardo entre em desavença com George, duque de Clarence, o segundo na sucessão da coroa, trancafiando-o na Torre de Londres. Mais tarde, Ricardo descobre que rei Eduardo está em suas últimas badaladas, o que facilitaria ainda mais sua chegada ao poder caso ele não morresse antes de George.
Continuando suas conspirações, nosso “galante herói” decide conquistar Lady Anne, viúva de Eduardo, príncipe de Gales, o qual foi morto na guerra pelo próprio Ricardo. Para conquistar o coração dela, diz que matou seu esposo por não aceitar que outro homem a tivesse nos braços além dele. Graças à sua lábia mágica e irrefutável, mesmo estando no cortejo do príncipe Eduardo e após uma catarse de insultos da viúva, o sem-vergonha consegue colocá-la dentro do bolso, conseguindo mais uma aliada em sua corrida pela coroa. Enquanto conquista outros aliados poderosos na base do gorjeio, Ricardo contrata dois jagunços para se infiltrarem na Torre de Londres e despachar Clarence para o outro mundo.
Ao ouvir da boca de Ricardo que o irmão foi morto, mesmo tendo dado ordens para que George ficasse apenas sob observação, rei Eduardo IV entra em colapso e logo morre “deixando o mundo para mim”, como celebra o futuro rei Ricardo III em segredo. No entanto seu reinado seria deveras curto, pois depois de subornar alguns parlamentares para facilitar sua chegada ao poder, Rei Ricardo, autoconfiante que só ele, achou por bem trair a todos eles, que declaram guerra à Vossa Majestade. Ao fim da peça, descobrimos que a tal profecia da qual Ricardo falava no início não dizia respeito a ele, e sim a Henrique Tudor, conde de Richmond e príncipe de Gales, que havia sido destinado a matar o último York, ou seja, Ricardo III, em batalha e tornar-se o novo rei. Ironia, doce como suco gástrico...
Interpretar o rei Ricardo é praticamente um rito de passagem pelo qual um ator que anseie por reconhecimento e fama precisa passar. Incontáveis foram os grandes que tiveram a honra de interpretar os textos do Bardo no palco e no cinema, dentre eles Al Pacino, quando ele não era uma versão apatetada de si mesmo, Robert De Niro e Lawrence Olivier, mas sem sombra de dúvida, a versão mais peculiar de todas, que por sinal me levou ao livro, foi um filme de 1995, feito pelo ator britânico Ian McKellen e pelo diretor Richard Loncraine.
Talvez para economizar um orçamento já apertado, ambos escreveram uma adaptação passada no século XX, trazendo a Guerra das Rosas e seu elenco para um contexto ditatorial na década de 1930 e vestindo seus homens com fardas lembrando as da Alemanha nazista. McKellen, numa interpretação tragicômica, fez de seu personagem o próprio Hitler, disposto a tudo para colocar o mundo a seus pés. E os autores até tiveram o bom senso de suprimir boa parte da verborragia do livreto original, de forma que não matasse a audiência de tédio. Vale a pena conferir se conseguirem achá-lo...
Isso até que põe a gente pra refletir um pouco, não? Desde que Heath Ledger transformou o Coringa mais uma vez na verdadeira estrela dos filmes do Batman, parece que os filmes são protagonizados pelos caras maus. A gente torce pelo vilão porque ele pouco se lixa pelo establishment, tem aparência mais cool que o mocinho e anseia por uma quebra da rotina, por mudanças radicais no mundo, mesmo que sejam para o mau. Quem não se interessa por um personagem com um sonho, uma ambição desmedida, coisa que homens bons raramente têm? Até hoje não houve melhor previsão de como o a sociedade seria virada do avesso que as feitas pelo bom e velho Shakespeare.
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*Designer e escritor. Contatos:
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HTTP://www.facebook.com/terradeexcluidos
cyberyanmar@gmail.com
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Um bom giro pelo mundo da dramaturgia.
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