Inexpugnável
* Por Daniel Santos
Na
rua da minha infância, difícil era saber onde o fim de um terreno e o começo de
outro, porque naquele cotidiano de camaradagem, a política da boa-vizinhança
negligenciava a demarcação de limites fundiários.
Em
geral, o que assinalava divisas era uma árvore ali plantada por ilustre
ancestral, e tal garantia pacífica noção de propriedade. Mas, um dia, com a
briga de vizinhos, tudo mudou: surgiu o primeiro muro da rua!
Depois,
reataram a amizade, demoliram a obra e depositaram as pedras noutro terreno,
cujo morador, irritado, também ergueu seu paredão, logo desfeito pelos
temporais. E ele igualmente desfez-se do entulho.
Esses
tijolos invadiram o lote de um terceiro que, insultado, respondeu com uma
murada bem alta. Assim, ressentidos, moradores que se conheciam há décadas
passaram a isolar-se numa espécie de labirinto.
Tal
vem se repetindo, desde então. Que jeito! Impossível resgatar a antiga ordem,
porque – sabe-se, agora – a simples idéia do muro funda o estranhamento entre
todos, o suficiente para torná-lo inexpugnável.
* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e
redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de
São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou
"A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e
"Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o
romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para
obras em fase de conclusão, em 2001.
Após o primeiro bloqueio, outros infalivelmente se erguerão. Coisas de humanos que delimitam territórios quando se veem ameaçados.
ResponderExcluir