Indivisibilidade do
tempo e da vida
“O tempo é indivisível”.
Quem fez essa afirmação não foi nenhum cientista (um Albert Einstein, por
exemplo, que lidou com esse conceito em sua Teoria da Relatividade) e nem um
filósofo, contemporâneo ou dos primórdios da Filosofia. Foi um poeta. Foi Mário
Quintana, em seu “Pequeno poema didático”, publicado no livro “Apontamentos de
História Sobrenatural”, datado de 1976. E ele estava errado? Entendo que não.
O tempo é uma
abstração. Sua divisão, entre passado, presente e futuro, é meramente simbólica.
Foi feita – embora não se saiba por quem – para melhor entendimento de sua
passagem. A mesma coisa se pode dizer sobre anos, meses, semanas, dias, horas,
minutos e segundos. São, todas, meras convenções humanas, que servem para que
os homens organizem suas atividades. Até não faz muito, não eram sequer
padronizadas. Daí existirem tantos calendários, a maioria dos quais, hoje, em
nosso mundo globalizado, não passe de mera curiosidade. Conceitualmente, porém,
Quintana está certíssimo. O tempo é, mesmo, indivisível.
Essa indivisibilidade é
mais ampla. Envolve nossa vida. Costumamos dividi-la, e nem mesmo sei por que,
em etapas de desenvolvimento: infância, juventude, maturidade e velhice.
Todavia, ela constitui uma unidade, posto que com começo, meio e fim. Sua
duração varia, de acordo com as circunstâncias de cada um. Para uns, dura só
dias, quando não horas. Para outros (raros) pode ultrapassar um século. Quintana
considera a vida, também, indivisível, no que concordo. Por que? Não sei
explicar a razão dessa concordância. Ela prende-se, sobretudo, à intuição.
Intuo essa indivisibilidade.
Do que não tenho nenhuma
certeza – creio que ninguém a tenha –, embora também intua, é quanto à “finalidade”
da vida. Existe alguma? Qual? Claro que tenho um conjunto de crenças que me
foram, inicialmente, incutidos pelos que me educaram. Na sequência, mediante o
raciocínio e a análise, consolidei algumas e contestei outras tantas,
fundamentando ou não essas convicções. Aliás, isso ocorre não somente comigo,
mas com milhões, quiçá bilhões de pessoas, mundo e tempo afora. Carecemos de
certezas e somos inundados por milhões de dúvidas, que nossos ancestrais não
conseguiram dirimir e que é provável que nós também não consigamos.
O mundo divide-se entre
os que crêem na beleza e na transcendência da vida, e que ela extrapola o que
meramente se vê e se toca, e os que acreditam, apenas, no que é material e
palpável. Está dividido, portanto, entre os que têm fé e os céticos. Estes dois
grandes grupos têm, claro, infinitas variações, mas somente na intensidade, e
não em eventual variedade de crenças. Há quem acredite, por exemplo, que a vida
tem objetivo mais nobre do que simplesmente o de existir por existir. Acreditam
na sobrevivência de uma parte imaterial que temos, que chamam de alma, que
sobreviveria independente do corpo, dessa nossa forma animal de carne, osso,
sangue, vísceras etc.
Mesmo essa crença,
todavia, não é uniforme. Uns crêem que o “espírito” sobrevivente passe por um “julgamento”
dos atos praticados enquanto animou esse nosso perecível corpo. Os que foram
virtuosos, solidários, construtivos, em suma, bons, gozariam de eternas
delícias em um paraíso alhures. Já os maus... expiariam suas faltas, antes de
serem, finalmente, destruídos. Outros crêem em reencarnação. Ou seja, que as
almas recalcitrantes e más voltariam em forma material, posto que em outro
corpo, com novas oportunidades de se redimirem. Há, até, quem creia que esse
retorno ocorreria no organismo de outro ser vivente que não o homem, animal ou
mesmo inseto. Não quero, aqui, estabelecer juízo de valor. O fato de não
acreditar nessas coisas não quer dizer que me sinta dono da verdade. E, se me
sentisse (o que não é o caso), guardaria esse sentimento só para mim. As crenças
são muito pessoais, particulares.
Albert Einstein, no
livro “Como vejo a vida”, escreveu: “Existem apenas duas maneiras de ver a
vida. Uma é pensar que não existem milagres e a outra é que tudo é um milagre”.
Por tudo o que escreveu e falou, o pai da “Teoria da Relatividade” via a vida
da segunda maneira. Ou seja, que desde um mísero grão de areia, à maior das
galáxias do universo, tudo, sem nenhuma exceção, é um fantástico e inquestionável
milagre. Esta é a forma como, também, encaro a vida! Daí atribuir-lhe tamanho
valor. Sei que já escrevi sobre isso, e com essas mesmas palavras, mas creio
que aqui caiba a reiteração.
Para não deixá-lo,
paciente leitor, no ar, partilho o poema de Mário Quintana que citei (e que
suscitou essas reflexões), que merece, não apenas, ser lido com atenção, mas
ser analisado pelo tanto de verdade que contém:
Pequeno poema didático
“O
tempo é indivisível. Dize,
qual
o sentido do calendário?
Tombam
as folhas e fica a árvore,
contra
o vento incerto e vário.
A
vida é indivisível. Mesmo
a
que se julga mais dispersa
e
pertence a um eterno diálogo
a
mais inconseqüente conversa.
Todos
os poemas são um mesmo poema,
todos
os porres são o mesmo porre,
não
é de uma vez que se morre...
Todas
as horas são horas extremas...
E
todos os encontros são adeuses”.
Boa leitura.
O Editor.
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Mário Quintan é muito bom. Escolheu um poema muito especial, fora de série. Obrigada, Pedro.
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