quinta-feira, 5 de abril de 2012







Heróis com prazo de validade

* Por Fernando Yanmar Narciso

Por que não falar sobre uma estranha classe de personagens da dramaturgia?
Esses pobres incompreendidos geralmente têm entre 60 e 80 anos e fazem parte de um dos núcleos principais das novelas, sendo usados como um tipo macabro de plot device: São os personagens mais velhos ou às vezes idosos cuja morte no início, no meio ou no final da trama é muito importante para definir o rumo da história.
Desde os tempos de nossa mestra Janete Clair esse artifício é utilizado no esqueleto das tramas, mas nunca foi tão abusado como na última década. Geralmente, ele ou ela é um velhote milionário á La Cidadão Kane, que comanda uma grande e disputada empresa, mas às vezes também é um cara comum que tem uma até que razoável quantidade de dinheiro no banco que alguns personagens fariam de tudo para obtê-lo.
A própria família dele ou alguém mais próximo, como os tradicionais secretários pessoais ou mordomos, trazem sempre estampado em seus rostos o desprezo que sentem por tal personagem, e seus olhos trazem aquele brilho da ganância sempre que pensam em tudo que o futuro presunto possui. De cada dez vezes que um personagem assim é anunciado, apenas em duas ou três ele é um sujeito de boa índole, nas outras ele é tão desprezível como um acionista de Wall Street.
Eu que não queria viver no universo desses personagens... Eles dão um novo sentido à expressão “ enfrentar a morte em cada esquina”. Ah, então ele morreu de infarto? Foi depois de uma noite tórrida com a nova esposa 50 anos mais nova que ele. Morreu afogado na piscina? Empurraram-no, e ainda deram um caldo nele pra garantir que não se salvasse.
Foi atropelado? Adivinha por quem... Caiu do cavalo e quebrou o pescoço? Plantaram uma mina terrestre no campo de hipismo. E o véio só dança! Felizmente, mesmo tendo suas mortes tão desejadas, para todos esses personagens há pelo menos uma alma caridosa para chorar em seus túmulos, quase sempre o cachorrinho da família.
Mas o pior tipo desses personagens são aqueles que morrem na última cena do primeiro capítulo, sem nem dizer direito a que vieram. Uma situação tão humilhante como a do bandido que morre no trailer, e numa cena que nem aparece no corte final do filme. Nunca saberemos do passado dele, seus amores, seus temores, se sofreu bullying na escola, se espiou os pais fazendo amor pelo buraco da fechadura...
E o pior de tudo é que parece que nem a própria audiência se importa com tais personagens. Eles morrem e puf! Morreu, nem lamentamos sua perda. Se bem que de vez em quando uma dessas vítimas cai no gosto do povo e há uma pequena pressão da audiência para manter o futuro cadáver por mais tempo na trama, mesmo que já saibamos qual será seu destino.
Eis o final de carreira mais deprê que todo astro da velha guarda poderia receber: um personagem criado para morrer... Atores clássicos como Reginaldo Faria, Lima Duarte, Antônio Fagundes, Tarcísio Meira, Natália Thimberg, Aracy Balabanian, Fernanda Montenegro, Mauro Mendonça, Othon Bastos, entre outros já tiveram o desprazer de ser escalados para esse tipo de papel, alguns mais de uma vez. E é melhor que os galãs sexagenários de agora como Tony Ramos e José Mayer abram o olho, pois daqui uns três anos, se continuarem mantendo os cabelos grisalhos, serão as próximas vítimas de nossos sádicos autores... OPS! Tony acabou de interpretar seu primeiro papel desse tipo. Agora é tarde...

• Designer e colunista do Literário.Blog Terra de Excluídos, http://terradeexcluidos.blogspot.com

Um comentário:

  1. O invisível que se torna o mais visível de todos. Nunca tinha reparado nele. Agora, depois do seu texto, ele, pelo menos para mim, tornou-se muito importante.

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