quinta-feira, 26 de abril de 2012

Aberrações que somos


* Por Fernando Yanmar Narciso

Quais seriam os ingredientes indispensáveis para se preparar um legítimo patriota, brasileiro até a medula? Não falo daqueles que se enrolam na bandeira do país e dizem “sou brasileiro com muito orgulho, com muito amor” só quando ganhamos uma Copa do Mundo ou quando o Lula ganha as eleições, mas daqueles que comem, bebem, dormem e respiram o Brasil.

Eis as cinco pedras fundamentais que não apenas eu, mas muitos crêem estar no DNA dos brasileiros que não desistem nunca: Burrice, malandragem, hipocrisia, alienação e pobreza.

Para começar, se você não sabe cantar e/ou não sabe o que quer dizer a letra do hino nacional, então meus parabéns, você é um brasileiro nato!

Se há um país onde a burrice é superestimada, este é o nosso. Em que outro país os intelectuais são motivo de chacota?

O dicionário foi apelidado aqui de “pai dos burros”, mas deve ser o tipo de pai desnaturado, que abusa sexualmente dos filhos pequenos e fica fadado ao desprezo quando eles envelhecem. Só mesmo num país como o nosso falar errado é considerado “cultura popular”. E o Governo Federal finge que se mexe para tentar melhorar a educação do país, mas na real não está nem aí, pois não é interessante para eles ter uma população escolarizada. Afinal, povo que lê é mais difícil de levar na conversa.

Há uma linha muito fina que separa a inteligência da esperteza. Nosso país talvez tenha a maior densidade demográfica de malandros e espertalhões do mundo. Quem somos nós, proletários, para cobrar mais ética e honestidade dos nossos políticos se quase sempre agimos do mesmo jeito que eles? Quem passa debaixo da roleta do ônibus, fura fila, reclama da sujeira nas ruas mesmo deixando o cachorro de estimação largar um barro na calçada, rouba no truco, usa chavões como “O senhor sabe com quem está falando?” ou vota em qualquer um nas eleições só por votar não merece o respeito de seus mandantes. Mas como isso aqui é Brasil, o mau-caratismo acabou se tornando nosso principal traço cultural, socialmente aceito e incentivado por quase todos.

Se você é brasileiro, diga as coisas sempre da boca pra fora. Diga que morre de nojo dos ricos, mas não deixe de fazer sua fezinha na mega-sena para ver se deixa de ser pobre. Diga para os filhos usarem camisinha, mas traga sempre cartõezinhos de garotas de programa no bolso. Reclame da falta de educação das pessoas, de preferência xingando todo mundo. Cole cartazes no muro dizendo PROIBIDO COLAR CARTAZES. Reclame que as mulheres não são respeitadas, mas não deixe de comprar aquela minissaia ultra-justa. Minta descaradamente para o mundo e para si mesmo e não deixe de fazer diariamente suas orações, pra ver se pelo menos a alma se salva.

Podemos até nos sentir enervados por toda a sujeira e o mau-caratismo que nos cercam, mas geralmente não estamos nem aí. Deixa a vida me levar, como disse Zeca Pagodinho. É cada um no seu quadrado, os políticos com a bandalheira deles, nós com a nossa vidinha besta. Não importa o quanto nos sintamos sacaneados todo dia, basta sacar um celular ou um notebook e entrar no Facebook ou ligar a TV e expurgar todas as frustrações através da novela das 9, do futebol de quarta-feira e do BBB. Qualquer um que tente se desligar desse mundo de sonhos e falar algumas verdades logo recebe um “Cala a boca, seu chato!”. Concordo, às vezes a alienação nos parece muito mais atraente que o engajamento.

José de Alencar dizia que nosso maior defeito é gostarmos de ser pobres. Por isso o país não avança. O nosso eterno complexo de vira-lata nunca nos abandona. Brasileiro de verdade precisa gostar de bancar o Cristo, ser sofredor com orgulho e praticamente se forçar a fazer voto de pobreza. Sempre nos sentimos meio que vingados quando alguma celebridade rica e famosa é assaltada ou seqüestrada, pois “eles já têm coisas demais”.Para ser considerado “do povo”, você não pode enriquecer jamais, pois o dinheiro é coisa do demônio. Deve ser por isso que Edir Macedo e os demais pastores têm tanto dinheiro, para livrar-nos de todo o mal...

Por mais que o país tenha mudado, e agora estejamos conquistando nosso “merecido” respeito do resto do mundo, ainda somos a bucha de canhão mais inculta, sem- vergonha,contraditória, indiferente e pé-rapada do planeta. Mas com orgulho, pois esse é o país onde defeitos são louvados como virtudes.

• Designer e colunista do Literário.Blog Terra de Excluídos, http://terradeexcluidos.blogspot.com

Um comentário:

  1. Lavou toda a nossa roupa em público. Como generalização, mesmo burra, segundo Nelson Rodrigues, muitos brasileiros serão aquinhoados com várias dessas características negativas. Poucos se livrarão de todas elas.

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