quarta-feira, 25 de abril de 2012



Alegria de viver

* Por Mara Narciso

Quando a medicina não tinha nada a oferecer além do medo e da ameaça de morte ninguém ousava falar o nome, mas se referia a ela como “aquela doença”. O diagnóstico de câncer, com suas múltiplas faces raramente não era uma sentença. Sobreviventes eram vistos com curiosidade e muito se falou na doença de Darcy Ribeiro, contada por ele mesmo no livro Confissões, sobre a retirada de um pulmão, na França, em fevereiro de 1975, em decorrência de um câncer, e que veio a falecer em fevereiro de 1997, de câncer de próstata. Dizia ser alvo de atenções por causa da doença: “O câncer tem um prestígio brutal”.



“O mineiro só é solidário no câncer”, disse o jornalista mineiro Oto Lara Rezende. Talvez tenha sido dessa maneira, mas hoje há outras solidariedades entre os mineiros, inclusive em relação ao câncer. Assim, no mundo hermético das dores e sofrimentos, os primeiros a derrubar barreiras, os pioneiros, causaram susto nos demais. Muitos escondem sob mil chaves suas doenças verdadeiras e imaginárias, enquanto outros divulgam como lutam com bravura contra essas mesmas doenças, dando exemplo de força e coragem, e ainda distribuem alegria no enfrentamento do tratamento.



Os que escolhem omitir seus males até dos amigos estão no seu direito de privacidade, julgam-se certos, e dizem que a exposição traz constrangimentos através de perguntas invasoras. Pessoas com sentimentos mesquinhos mostram achar boas as más notícias dos outros. Muitos viram manifestações de júbilo diante do diagnóstico de câncer de laringe do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A transparência que Lula imprimiu a sua doença, num país de políticos dissimulados, foi honesta, ao contrário de Tancredo Neves, que fez em 1985 uma encenação histórica, pois, estando quase morto, fingiu-se estar bem numa foto montada para enganar o país.



Vinte e três anos atrás o ator Lauro Corona, diante do diagnóstico de AIDS escondeu a doença, como se isso fosse possível, e sucumbiu à inexistência de tratamento de então. Para horror da população, Cazuza foi capa da revista Veja, em 1989, com prováveis 40 quilos, pouco antes de morrer. Um gesto histórico, para alertar a população, e merecedor de elogios.



Atualmente, nos comerciais do Banco do Brasil, Reynaldo Gianecchini, calvo pela quimioterapia, resultado do seu tratamento contra um linfoma, surpreende, sorri com alegria genuína, exorta a doença e chama a todos para um recomeço. Ninguém fica indiferente ao realismo da fala. Palmas para o ator.



A médica endocrinologista Graciana Guerra David, baiana de Mortugaba, residente em Montes Claros, mostrou seus exames de mamografia em horário nobre na TV Globo. Com um turbante devido à queda de cabelos pela quimioterapia, ela irradiava alegria de viver, e com isso ajudou pessoas a se livrar dos seus medos. Não há como não aplaudir a convicção e o otimismo de Graciana. É louvável submeter-se a uma exposição desse nível com o intuito de deixar ir os próprios fantasmas e ainda ajudar a expulsar os fantasmas alheios. Aceitar o desafio de um tratamento penoso, de coração aberto e ainda dividir com os outros a confiança na própria cura é elogiável e digno. Todos ficaram tocados por esse gesto de amor.



A troca de energia pela fé acontece em todas as direções numa inquestionável corrente pra frente. A oncologia agradece a essas pessoas tão humanas quanto desbravadoras, que dirigem bons pensamentos a si mesmas e ainda os dividem com os demais. A medicina evolui muito com elas e as agradece por tamanha generosidade.



*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”-

4 comentários:

  1. Belo texto, Mara. Um manifesto de amor à vida. Abraços.

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    1. Marcelo, agradecida com seu estímulo. Vamos colecionando as nossas doenças e com uma felicitação relativa ao tempo anterior aquele novo mal. Um pouco como seu xará, Marcelo Rubens Paiva e seu Feliz Ano Velho. Então, por que não viver intensamente o agora antes que seja tarde?

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  2. Tenho uma irmã que venceu o câncer de mama. E enfrentou a doença com cara, coragem, otimismo e confiança, sem atribuir-lhe alcunhas, Porém, Mara, ela tem um frase muito interessante: " QUANDO SE TEM UM CÂNCER, À DIFERENÇA ENTRE VIVER OU MORRER DÁ-SE O NOME DE PLANO DE SAÚDE". Quando descobriu o tumor, em tempo recorde estava operada e imediatamente começou os tratamentos complementares, sem interromper qualquer sessão.
    Seu texto é fantástico e como sempre, muito bem escrito. Parabéns, Doutora.

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    1. Marleuza, em todo o Brasil há uma demanda represada pela mamografia. Muitos aparelhos quebrados ou sem operadores ou ainda sem médico para dar os laudos. Temos de melhorar muito em termos de medicina pública, pois alguns dias podem ser cruciais entre a cura e a morte. Obrigada pelo comentário.

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