quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

A noite anterior

* Por Cecília França

Chegou em casa abatido, após mais um dia de enxovalhações na imprensa; passava das dez da noite. Pensava em demitir um de seus assessores que sabia ser o responsável por deixar chegar até ele todo o material negativo divulgado nos jornais e revistas. Só não entendia porque aquele rapaz, a quem havia ajudado com um dos cargos mais bem-remunerados de seu gabinete, gostava de vê-lo sangrar politicamente.

Será que não entendia que isso lhe custaria o pescoço? Ou então, era mais esperto e já estava arranjado... Bom, pensaria nele amanhã. Agora, apenas o uísque.

Havia engordado sete quilos desde o início da crise. Evitava se expor em locais públicos, por isso, abolira as caminhadas matinais durante as quais costumava acenar para os fotógrafos. Embora não estivesse certo de que a reclusão seria sua melhor opção, era o que assessores e amigos lhe indicavam como correto.

Os encontros com advogados não poderiam ocorrer à luz do dia – e muito menos em seu gabinete – de forma que ficavam reunidos em sua casa, de madrugada, discutindo estratégias para melhorar sua imagem perante a opinião pública. Porém, naquela noite sentia ser isso impossível.

Desmarcara todas as reuniões daquele dia ainda no início da tarde, após comer sua habitual – nos últimos meses – salada com frango grelhado e sentir que o clima não estava propício para mais negociatas. Esgotara todas as possibilidades de acordo com aliados e oposição e sentia a pressão do chefe maior por seu afastamento.

A possibilidade de renúncia chegara a passar por sua cabeça, mas foi imediatamente diluída por seus aliados, que lhe mostraram o efeito negativo dessa atitude. Por ora, isso estava descartado.

Sentou-se com a gravata desarrochada sobre a camisa semi-aberta e o copo com uísque puro – como ele gostava – na mão. A decisão estava tomada e não poderia ser adiada para depois de amanhã. Pediria afastamento e diminuiria a intensidade dos holofotes sobre si, praticamente garantindo sua sobrevivência, ileso, aos outros processos.

Não era totalmente cafajeste, dizia a si mesmo. Sentia-se, não raro, mal por ter exposto sua família e privacidade àquilo que considerava um linchamento moral desnecessário, visto que ele apenas queria aproveitar as possibilidades que a vida de um político famoso lhe concedia, dentre elas, a infidelidade – de qualquer espécie.

* Jornalista

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