quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

O puxador sem voz

* Por Gustavo do Carmo

Sambódromo lotado. Arquibancada e todos os componentes da escola cantando o samba-enredo. Os destaques começam a rebolar nos queijos a 10 metros de altura. A madrinha de bateria, de topless, também já samba e faz reverência aos ritmistas, disciplinados pelo Mestre Turcão. E o intérprete Ari do Pandeiro, cujo verdadeiro nome é Aristênio Soares,  faz o seu gargarejo antes de dar o seu grito de guerra.

Ele cospe o preparado de própolis e gengibre num balde. Estava meio gripado nos últimos dias. Mas achava que poderia puxar o samba sem problemas. Conseguiu dar o grito de guerra: SAI DA FRENTE QUE A UNIDOS DA DEMOCRÁTICOS TÁ CHEGANDO!!!! SORRIIIIIIIIIIIA PANDEIRO!!!!!!

Foram as últimas palavras que Ari conseguiu soltar. Depois delas ficou sem voz. O cavaquinho continuou tocando, mas o samba não entrava. O presidente da escola se desesperou. Ari, tenso, falava com o fiapo de voz que lhe restava:
— Eu não estou conseguindo nem falar.  

Enfim, o grupo de puxadores auxiliares assumiu o samba, que foi levado até o fim em coral. A Unidos da Democráticos foi aplaudida ao fim do desfile. Na quarta-feira de cinzas, descobriu que perdeu pontos em harmonia, evolução, samba-enredo e conjunto. Ficou em sexto lugar. Voltou ao desfile das campeãs. A voz de Ari ainda não tinha voltado. A escola foi mais uma vez aplaudida.

Aristênio Soares ficou mudo de vez. Mesmo não precisando mais dele e efetivando o coral de intérpretes, Ari do Pandeiro foi mantido para ser um talismã. Foi demitido porque nem pra isso ele serviu. A Unidos da Democráticos foi rebaixada no carnaval seguinte.

* Jornalista e publicitário de formação e escritor de coração. Publicou o romance “Notícias que Marcam” pela Giz Editorial (de São Paulo-SP) e a coletânea “Indecisos - Entre outros contos” pela Editora Multifoco/Selo Redondezas - RJ. Seu  blog, “Tudo cultural” - www.tudocultural.blogspot.com é bastante freqüentado por leitores



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