Maranhão: De Vieira a Sarney
* Por
José Ribamar Bessa Freire
"Pobre, no Maranhão, se chama João Batista ou José de
Ribamar" - declarou um deles, João Batista do Vale. Esse ajudante
de pedreiro, negro e pobre, que se consagrou como cantor e compositor, morreu
completamente joão, sem deixar bens, em 1996, apesar do sucesso de suas músicas
comoCarcará, Pisa na Fulô e Peba na Pimenta.
Destino outro teve um certo Ribamar. Entrou na política, enricou e se
desfez do nome. Foi ao Cartório, em 1965, e legalizou a troca. Deixou de ser
José de Ribamar Ferreira de Araújo Costa para se metamorfosear em José Sarney.
Legou o novo nome aos três filhos: Roseana, Sarney Filho e Fernando Sarney,
herdeiros de seus bens. Vai morrer absolutamente sarney: rico. Podre de rico.
Podre mesmo.
Por isso, faz sentido a declaração da governadora Roseana Sarney, que
surpreendeu o Brasil ao atribuir à riqueza do Maranhão a responsabilidade pela
recente onda de violência nos presídios estaduais, onde ocorreram 62
assassinatos, em 2013, com cabeças decapitadas, e até nas ruas de São Luís,
onde crianças foram incendiadas. O mundo ficou de tal modo estarrecido que a
ONU (Organização das Nações Unidas) exigiu uma "investigação imediata,
imparcial e efetiva" e a Procuradoria Geral da República estuda uma
intervenção federal nos presídios.
- Um dos problemas que estão piorando a segurança é que o estado
está mais rico, o que aumenta o número de habitantes" - explicou
a filha do dito cujo ex-Ribamar. Do discurso da governadora, que por pouco
escapou de se chamar Ribamarina, se deduz que, quanto mais pobreza, mais
segurança. Nesse sentido, precisamos reconhecer o enorme esforço da família
Sarney, no poder há várias décadas, para melhorar a segurança, mantendo o
Maranhão na extrema miséria.
Ribamarina
Aleluia, aleluia, peixe no prato, farinha na cuia. Esta política teve
relativo êxito, como revelam alguns indicadores. O Maranhão é o vice-campeão
brasileiro em mortalidade infantil, em esperança de vida e apresenta o segundo
pior índice de desenvolvimento humano (IDH) do Brasil, de acordo à avaliação do
PNUD, além de ser a pior renda per capita do país.. É o estado mais miserável,
que agora exibe para o mundo as cenas de barbárie nas prisões e nas ruas.
Portanto, se a segurança piorou, não foi por falta de pobreza, mas
porque Sarney foi mais sarney e menos ribamar, como comprovam as empresas
ligadas à família dele que continuaram enriquecendo, entre elas a Atlântica
Segurança, empresa do sócio de Jorge Murad, marido da governadora, a VTI
Serviços, Comércio e Projetos e a Nissi Construções. o que fez "piorar a
segurança no estado", como reconheceu a governadora.
Segundo O Globo, a Atlântica recebeu nos últimos dois
anos R$ 20.3 milhões de órgãos do estado, entre eles a Secretaria de
Administração Penitenciária. A VTI, sem qualquer experiência no ramo, foi
contratada para administrar o sistema penitenciário, abocanhando R$ 153,9 milhões
só em 2013. A Nissi Construções, contratada sem licitação por R$ 1.167 milhão,
recebeu adiantado para a reforma de um presídio não concluída. E por aí vai...
Outro índice de enriquecimento do estado foi o pregão aberto e as
licitações lançadas para compra de bebidas e comidas que devem abastecer as
geladeiras do Palácio dos Leões e a casa de praia na Ponta do Farol. O valor é
de R$ 1,3 milhão para comprar lagostas, patinhas de caranguejo, caviar, uísque
escocês 12 anos, vinhos importados e champagne nas variedadesextra, brut,
sec e demisec. Tudo isto revela que o estado ficou mais
rico, é por isso que a segurança piorou. A governadora tem razão.
Foi assim que a família do ex-Ribamar construiu uma das maiores fortunas
do Maranhão. O papi soberano e seus filhos são proprietários de fazenda na Ilha
de Curupu, de mansão na Praia do Calhau, de dezenas de imóveis e do
Sistema Mirante de Comunicação, com canal de televisão, emissoras de rádio e
jornal. E por ai vai...
Menos Sarney
Dona da capitania hereditária do Maranhão, a família Sarney enriqueceu,
usando métodos pouco ortodoxos, como demonstram investigações realizadas pela
Polícia Federal, em 2002, quando foi apreendido mais de R$ 1,3 milhão em
dinheiro vivo na Lunus, empresa de Murad, e a Operação Boi Barrica, envolvendo
Fernando Sarney. Mas na concepção política da governadora, quem ficou rico foi
o Maranhão, porque para os Sarney, "L'État, c'est moi".
Roseana é um gênio da ciência política. Conseguiu mostrar ao mundo
aquilo que muitos de nós já desconfiávamos: a riqueza de poucos gera a miséria
e a insegurança de muitos. Seu discurso dá continuidade ao sermão do padre
Antonio Vieira que, recém-chegado do Maranhão, pregou na sexta-feira santa, em
1655, em Lisboa. Acusou os governadores do Maranhão, nomeados por três anos, de
enriquecerem durante o triênio, juntamente com seus amigos e apaniguados,
dizendo que eles conjugavam o verbo furtar em todos os tempos, modos e pessoas.
- Furtam pelo modo infinitivo, porque não tem fim o furtar com o
fim do governo, e sempre lá deixam raízes em que se vão continuando os
furtos. Esses mesmos modos conjugam por todas as pessoas: porque a primeira
pessoa do verbo é a sua, as segundas os seus criados, e as terceiras quantos
para isso têm indústria e consciência.
Segundo Vieira, os governadores ”furtam juntamente por todos os
tempos”. Roubam no tempo presente, “que é o seu tempo” durante
o período em que governam, e roubam ainda ”no pretérito e no
futuro”. Roubam no passado perdoando dívidas antigas com o Estado em
troca de propinas, “vendendo perdões” e roubam no futuro
quando “empenham as rendas e antecipam os contrato, com que tudo, o
caído e não caído, lhe vem a cair nas mãos”.
O missionário jesuíta, que era conselheiro e confessor do rei, no
Maranhão disse que os governadores roubam “nos tempos imperfeitos,
perfeitos, mais-que-perfeitos, e quaisquer outros, porque furtam, furtavam,
furtaram, furtariam e haveriam de furtar mais se mais houvesse". Enquanto
conjugam toda a voz ativa - discursa Vieira - "as miseráveis
províncias suportam toda a passiva, eles como se tivessem feito grandes
serviços, tornam carregados de despojos e ricos; e elas ficam roubadas e
consumidas”.
Numa atitude audaciosa, padre Vieira alerta o rei:
- Em qualquer parte do mundo se pode verificar o que Isaías diz dos
príncipes de Jerusalém: os teus príncipes são companheiros dos ladrões. E por
que? São companheiros dos ladrões, porque os dissimulam; são companheiros dos
ladrões, porque os consentem; são companheiros dos ladrões, porque lhes dão os
postos e os poderes; são companheiros dos ladrões, porque talvez os defendem; e
são finalmente, seus companheiros, porque os acompanham e hão de acompanhar ao
inferno, onde os mesmos ladrões os levam consigo.
É.
Parece que está no DNA.
O caso do Maranhão expõe a situação infernal da população carcerária do
Brasil, que hoje ultrapassa o meio milhão de presos, confirmando o que afirmou
o ex-ministro da Justiça britânica, Douglas Hard: "a prisão é a maneira
mais cara de tornar as pessoas piores". "No Maranhão - informa a
Folha de São Paulo - a chance de ser morto num presídio é quase 60 vezes maior
do que do lado de fora".
Enquanto houver um sarney governador, deputado, senador ou juiz
segurando o osso, o Brasil todo, e não apenas o Maranhão, continuará sendo
miserável. Os bens da família deviam ser confiscados pelo Estado, retornando de
onde vieram. Desta forma, sarney voltará a ser ribamar, contribuindo com a
pobreza para aumentar a segurança.
* Jornalista
e historiador
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