sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Alienação às avessas

A vida ganha novo sabor, e adquire grandeza e transcendência, quando a usufruímos em toda sua plenitude. Isso significa que não podemos ignorar suas dores que, por mais que possamos nos prevenir para evitá-las ou ao menos atenuá-las, certamente nos atingirão algum dia, e inesperadamente. Vão variar, somente, de intensidade e de duração. Ignorar essa possibilidade, tão concreta que chega a ser probabilidade, é recorrer ao perigoso comportamento da alienação, na contramão, inclusive, do instinto de preservação. Concordam? Creio que não há porque discordar. Todavia, enfatizar o negativo, dar destaque apenas para os perigos e tragédias que podem nos afetar (e que, não raro, nos afetam mesmo), é ser, também, alienado. Trata-se do pior tipo de alienação que existe. É ignorar que a vida também pode nos proporcionar, e de fato nos proporciona, inúmeros prazeres e alegrias, variando, como no caso das dores (físicas e/ou psicológicas) também de intensidade e de duração.

Nosso cotidiano é composto por correrias, por preocupações com contas a pagar, pela luta por uma posição melhor em uma sociedade cada vez mais individualista e competitiva, por verdadeira batalha por esse lema extremamente vago e de sentido ambíguo, que se expressa pelo tal do “vencer na vida”. Para cada pessoa, isto tem significado diferente. O que para mim é vitória, para milhões de pessoas pode representar fracasso e vice-versa. Os comunicadores (e aí incluo não somente os jornalistas, mas também escritores, que de fato o são), todavia, a pretexto de pintarem o quadro do que se convencionou classificar de “realidade”, passam, na verdade, mensagens exclusivamente negativas. Caso se preocupassem em enfatizar, também, o outro lado do cotidiano, o positivo, estaria tudo bem. Afinal, a vida tem dores, fracassos, frustrações e perigos de toda a sorte, é inegável, mas apresenta, também, prazeres, sucessos e alegrias. Mas a imensa maioria dos comunicadores não age assim.

Eles entendem – e aqui, reitero, refiro-me à imensa maioria, com uma ou outra exceção – que as pessoas, todas elas, estão ávidas “somente” por notícias ruins. Por crimes, escândalos, violência, corrupção, aberrações sexuais e outras tantas distorções de comportamento do animal homem. Nos veículos de comunicação, por exemplo, só o negativo é manchete. Nos romances, contos, novelas e peças teatrais são enfatizadas somente as taras e os atos dos vilões mais sinistros e escabrosos. Por quê? Dificilmente alguém conseguirá explicar isto de maneira minimamente plausível e convincente.

Em jornalismo se diz que notícias positivas não atraem leitores (ou ouvintes ou telespectadores, dependendo do veículo pelo qual são divulgadas). Já em Literatura, a abordagem de virtudes, de amizades sólidas, de amores bem sucedidos, de atos de bondade e de solidariedade, é evitada, ao máximo, sob o pretexto de que se alguém o fizesse, a história que escrevem se transformaria num enredo “piegas”, inverossímil, tipo água com açúcar. Mas aí é que está o desafio para escritores realmente talentosos e competentes. Ou seja, dar verossimilhança ao positivo e torná-lo interessante. Nas mãos de um incompetente isso é, de fato, impossível. Seus romances, contos, novelas ou peças teatrais se transformariam, realmente, em textos piegas, enjoativos, “água com açúcar”. O problema, porém, não está na abordagem, mas em quem aborda.

Será que a vida é caracterizada “apenas” por atos nefastos, por desastres naturais ou provocados, por lágrimas, sofrimentos, dor? Ora, ora, ora. Claro que não. Quem se diverte com essa sucessão de desgraças, no mínimo, tem alguma tendência masoquista. Adora sofrer! Não deveria haver um equilíbrio na informação (e na descrição, no caso de se tratar de escritor) de desgraças, com atos abnegados e esforços desprendidos? E estes últimos existem, caso contrário, se o mundo, a vida, a realidade que nos cerca fossem constituídos apenas de infelicidades e aberrações, em pouco tempo, nada mais existiria. Ninguém suportaria tanta tragédia.

A pretexto de evitarem a alienação, determinados comunicadores (e temo que se trate da maioria), na verdade alienam seus consumidores do lado positivo da existência. Suprimem informações que despertem a alegria e o prazer de viver nas pessoas. Daí estar surgindo nova doença – que talvez, até, existisse antes, mas que somente agora emerge e vem afetando número crescente de indivíduos – que é a síndrome do pânico. Como não ficar aterrorizado face à divulgação, tão intensiva, maciça, constante e exclusiva de desgraças e aberrações?!!

Especialistas estimam que tal problema já atinja a 2% da população mundial. Há quem eleve essa cifra para 5%. Desconfio que ela seja muito maior. Mesmo que não seja, no entanto, trata-se de um universo significativo de afetados. A difusão da filosofia do pessimismo, do catastrofismo, do negativismo, certamente tem muito a ver com este mal, se não tudo.

 A vida ganha novo sabor, e adquire grandeza e transcendência, quando a usufruímos em toda sua plenitude, com suas dores, alegrias e tristezas, sucessos e fracassos. Quando lhe impomos um objetivo e empenhamos todo nosso imenso (mas desconhecido) potencial na sua realização. Para alcançarmos a felicidade – que sempre está dentro de nós – temos que relevar nossas fraquezas, ter coragem e forças de nos levantar sempre que viermos a tropeçar e a cair, e persistir, com determinação fé e coragem, na busca da concretização do nosso ideal.

Viemos ao mundo com alguma finalidade que, certamente, não é a de meramente sofrer e nem a de nos colocarmos à margem da sociedade e da vida. Compete-nos detectar e, quando não, estabelecer nossa razão de viver. Fedor Dostoievsky observa, com pertinência, a propósito: “O segredo da existência humana não reside só em viver, mas também em saber para que se vive”. E você sabe? Mesmo que não saiba, certamente não é para sofrer, se frustrar, curtir amarguras e ressentimentos e depois morrer, sozinho e abandonado. Ou você acha que é?

Boa leitura.

O Editor.


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