Desenho a giz na chuva
* Por Daniel Santos
Quando
as paineiras do Alto da Boa Vista começavam a soltar seus flocos ao vento do
final de minha infância, corria a alcançá-los para, depois, encher travesseiros
nos quais minha avó recostava sua desistência.
Ela
finava-se na cadeira de balanço do alpendre, onde a pátina do tempo esmaecia a
tintura de seus traços, e havia momentos em que, a certa distância, parecia
mesmo que se apagava como um desenho a giz na chuva.
Porque,
além do mais, uma dessas doenças que nunca citamos para não atrair o mal,
consumia suas carnes de dentro para fora. Assim, a cada dia, ela mais se
encovava, sepultura de si mesma, num resumo sem fim.
E
seus cabelos caíam sobre os ombros ... como os tais flocos de paina! Com as
mechas, enchi um travesseiro só meu. E foi nele, ainda aos oito anos, que
consolei a agonia de não ter minha avó nunca, nunca mais.
* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e
redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de
São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou
"A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e
"Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o
romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para
obras em fase de conclusão, em 2001.
Que lindo esse amor pela avó, que é do tamanho do que eu tenho em mim. Gostaria de ter escrito tal declaração. Maravilhoso sentimento de palavras sãs para uma avó adoecida.
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