quinta-feira, 29 de novembro de 2012

O Alemão nunca foi tão Complexo

* Por Fernando Yanmar Narciso

Pode-se dizer que, a cada novo trabalho, João Emanuel Carneiro meio que sabota o status quo da Rede Globo. A audiência, outrora tão acostumada com o ritmo morno das novelas do horário nobre, gosta tanto quando ele chega com sua forma ágil e imprevisível de escrever folhetins e suas vilãs carregadas na pimenta que se tornou uma missão suicida tentar substituir à altura suas tramas. Gloria Perez sabe disso como poucos.

Assim como em 2009, quando substituiu JEC pela primeira vez, ela está a ponto de saltar da janela de tanto stress, tentando reconquistar a audiência desgarrada, saudosa de Avenida Plasil. A imagem da megera maquiavélica- pero no mucho- Carminha regressando ao inferno representado por aquele lixão asséptico, e passando pela humilhação suprema de admitir a derrota para sua maior rival e selar um acordo de paz com ela no último capítulo permanece fervente em nossas memórias... Vê-las se abraçando foi como assistir a um eclipse total do sol. E o povo continua falando daquela novela “primorosa” que já acabou há um mês.

Ao contrário de JEC, que praticamente se transfigura num novo autor a cada trabalho, as pessoas sabem exatamente o que vão encontrar nas novelas de Glorinha. Tendo sido treinada por uma moribunda Janete Clair para seguir seus passos após sua morte (quase uma samurai das donas de casa alienadas), ela segue até hoje à risca as lições aprendidas. Tramas centrais despudoradamente fantasiosas, idéias improvisadas que logo viram a espinha dorsal da história, vilões mais caricatos que Soraya Montenegro e casais principais que passam mais de 200 capítulos se desencontrando até o inevitável casamento no último capítulo. Sem falar no ritmo vagaroso, nos elencos quilométricos, na causa social que ela abraça em cada trama e na característica pessoal mais estrambótica da autora: Um núcleo carnavalesco que reside em algum país de cultura exótica, cujo vôos para o Brasil são tão rápidos que mais parecem o teletransporte de Jornada nas Estrelas. Você pode ir e voltar, digamos, do Congo, no mesmo dia!

A primeira vez que ela usou desse artifício foi em O Clone, de 2001, e foi a sua novela mais aclamada e premiada até agora. O problema é que, depois dela, a mistureba não conseguiu mais dar uma liga tão boa. Caminho das Índias, a novela que substituiu A Favorita, de Carneiro, foi considerada por muitos um “clone do Clone”, e por muitos meses a audiência foi baixa para os padrões da emissora, só dando uma melhorada quando Gloria Perez teve de ser operada e foi substituída por um mês por Carlos Lombardi, que deu à trama o dinamismo e a fluidez que ela precisava. E quando a autora retornou, bastou estender as mãos e receber o Emmy de melhor novela do mundo no ano seguinte.

Agora falemos de “Nem São Jorge Salva”, o folhetim do momento. Partindo da pitoresca Istambul, passando pelo underground de Madri e aterrissando nos morros do Rio de Janeiro, Glorinha tenta nos empurrar goela abaixo a bizarra história de amor de Morena (a deliciosíssima, tesão da minha vida, Nanda Costa) com o oficial do Exército Théo (Rodrigo Lombardi), em pleno clima de pacificação das favelas cariocas. E, até aqui, depois de trinta e poucos episódios, a trama ainda não mostrou a que veio, ao passo que, com cinco capítulos- CINCO!- todo mundo já sabia por quem torcer no bairro do Divino.

Só pra variar, o casalzinho principal simplesmente não “cimentou” nos corações da audiência. Vai ver é o vício do brasileiro em desprezar qualquer mocinha que não seja a Regina Duarte, mas dizem por aí que o personagem de Lombardi contradiz a letra da melosa música composta por Roberto Carlos. Como o príncipe encantado descrito na música pode ser tão indeciso, imaturo e dado a surtos de bipolaridade? Como “esse cara”, que tem quase 40 anos e ainda mora com a mãe conseguiria impor respeito num regimento sem ser a piada do batalhão? E pior, o que foi que Morena, uma adolescente do morro já vivida, matuta, que tem filho e o pavio mais curto que a audiência da trama, viu num sujeito desses pra cair de amores por ele? Quem entende o amor, você me diria.

Mas já que não dá para conquistar as donas de casa pelo coração, que seja pelo sangue. Logo, o núcleo do tráfico humano em Istambul terá uma nova “moradora”: A própria Morena, que será sequestrada e forçada a se prostituir grávida do Théo, e como se a humilhação fosse pouca, ela também terá o filho vendido e traficado, enquanto sua mãe recebe uma bala perdida num baile funk e entra em coma. Coisas de rotina...

E depois dessa, imagino que Glorinha esteja pensando em tatuar um alvo nas costas da mocinha e levá-la para um passeio na Faixa de Gaza. Ou então vão vendê-la para o Yellow Bastard, o maníaco sexual do filme Sin City... Mas não nos preocupemos! Afinal de contas, toda mocinha tem um final feliz, mesmo as apedrejadas pela audiência. Mehraba!


*Designer e escritor. Site: HTTP://terradeexcluidos.blogspot.com.br

Um comentário:

  1. Muito bom, deliciosamente bom, mais, muito mais do que assistir à novela.
    Crítica inevitável: a palavra TRAMA apareceu demais.

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