segunda-feira, 26 de novembro de 2012

A nobreza da poesia

A poesia é conhecimento, salvação, poder, abandono. Operação capaz de transformar o mundo, a atividade poética é revolucionária por natureza; exercício espiritual, é um método de libertação interior. A poesia revela este mundo; cria outro. Pão dos eleitos; alimento maldito. Isola; une. Convite à viagem; regresso à terra natal. Inspiração, respiração, exercício muscular. Súplica ao vazio, diálogo com a ausência, é alimentada pelo tédio, pela angústia e pelo desespero”.

Esta magnífica definição de poesia só podia ser de um poeta. E é. Foi escrita por um dos mais hábeis e lúcidos escritores do século XX. É, sobretudo, de um intelectual eclético, atuante, talentoso (na verdade, genial) e respeitado pela vasta e preciosa obra que legou à posteridade. Quem a fez foi o poeta, ensaísta e diplomata mexicano Octávio Paz, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1990. Consta da introdução do seu livro de ensaios “O arco e a lira”, intitulada “Poesia e Poema”. Texto magnífico, como se vê, exposto de forma poética, posto que redigido em prosa.

Escreveu mais: “Inspiração, respiração, exercício muscular. Súplica ao vazio, diálogo com a ausência, é alimentada pelo tédio, pela angústia e pelo desespero. Oração, litania, epifania, presença. Exorcismo, conjuro, magia. Sublimação, compensação, condensação do inconsciente. Expressão histórica de raças, nações, classes. Nega a história, em seu seio resolvem-se todos os conflitos, objetivos e o homem adquire, afinal, a consciência de ser algo mais que passagem”.

Definição de tirar o fôlego, feita com consciência, clarividência e paixão, por quem, por exercitar com maestria essa arte, está plenamente habilitado a defini-la, caracterizá-la e identificar seus limites. Apesar de “Labirintos da solidão” ser o livro de ensaios mais famoso, vendido, divulgado e comentado de Octávio Paz, dos 25 desse gênero que publicou, sem desprezá-lo (e nem poderia), “O arco e a lira” é o meu predileto. Fala mais à minha sensibilidade e aborda questões ligadas mais diretamente à minha realidade enquanto intelectual e escritor.

Considero-me um poeta, posto que, quando muito, apenas mediano, mas esforçado e apaixonado. A paixão que tenho pela poesia é tamanha, que me faltam palavras adequadas para traduzi-la. Contudo isso pouco importa. Octávio Paz definiu com precisão cirúrgica o que nunca fui competente para fazê-lo. Escrevi muito, e o leitor é testemunha, sobre esta arte que precedeu todas as demais, posto que criada quando o homem não dispunha sequer de alfabeto, quanto mais de linguagem escrita para registrar descobertas, observações, idéias, emoções, inquietações etc. etc.etc.

A poesia precedeu, inclusive, a filosofia, a “mãe” da ciência. Dado seu caráter mnemônico, foi a forma, por séculos quiçá milênios, de preservação de conhecimentos de toda a sorte e de sua transmissão de uma geração a outra, impedindo a estagnação e, pior, o retrocesso das primitivas civilizações. Ao contrário, propiciou ao homem, contínua evolução espiritual e material mediante a soma de experiências preservadas.

A definição de Octávio Paz, de poesia, não se limita, contudo, ao trecho que citei. Vai além e o poeta diz mais o seguinte a respeito: “Experiência, sentimento, emoção, intuição, pensamento não dirigido. Filha do acaso; fruto do cálculo. Arte de falar em forma superior; linguagem primitiva. Obediência às regras; criação de outras. Imitação dos antigos, cópia do real, cópia de uma cópia da Idéia. Loucura, êxtase, logos. Regresso à infância, coito, nostalgia do paraíso, do inferno, do limbo. Jogo, trabalho, atividade ascética. Confissão”.

Qual é a contrapartida literária da poesia? É a prosa, claro. Para muitos, é a forma mais explícita e direta de se comunicar. Octávio Paz, contudo, discorda. E justifica: “A prosa é um gênero tardio, filho da desconfiança do pensamento ante as tendências naturais do idioma. A poesia pertence a todas as épocas: é a forma natural de expressão dos homens. Não há povos sem poesia, mas existem os que não têm prosa. Portanto, pode-se dizer que a prosa não é uma forma de expressão inerente à sociedade, ao passo que é inconcebível a existência de uma sociedade sem canções, mitos ou outras expressões poéticas”.

Para encerrar estas descompromissadas reflexões de hoje, recorro, mais uma vez, a outra citação de Octávio Paz, que tem muito mais a dizer do que este apenas esforçado “escrevinhador”, esta constante do seu livro de ensaios “Labirintos da Solidão”, que define bem nosso drama, enquanto protagonistas destes tempos tão tensos e confusos como são os atuais: “O homem moderno tem a pretensão de pensar acordado. Mas este desperto pensamento nos levou pelos corredores de um sinuoso pesadelo, onde os espelhos da razão multiplicam a câmara de tortura. Ao sair, por acaso descobriremos que tínhamos sonhado com os olhos abertos e que os sonhos da razão são atrozes. Talvez, então, comecemos a sonhar outra vez com os olhos fechados”.

Boa leitura.

O Editor.

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Um comentário:

  1. Otávio Paz é bom mesmo. Fala quilômetros de uma forma tão natural, explicando de forma exuberante algo que não consigo dar uma mísera definição. Diante dos gênios é que fica mais evidente a minha pequenez. Ler coisas inteligentes me eleva o espirito e o pensamento intelectual. Roubando ideias, roubo sonhos, de preferência aqueles de olhos fechados. Sonhar com a razão não é uma boa escolha, por isso vou passar a pensar com o encéfalo emprestado dos poetas.

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