quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Lobato racista

* Por Guilherme Scalzili

Nos próximos dias o STF (sempre ele) julgará se o Ministério da Educação pode distribuir livros de Monteiro Lobato que apresentem passagens discriminatórias. A decisão é previsível, pois algumas obras de Lobato carregam trechos flagrantemente ofensivos aos negros. E o escritor, além de racista assumido, era defensor da eugenia.

Não parece razoável divulgar preconceitos com dinheiro público, num programa oficial, mesmo acompanhados de instruções pedagógicas. Independente das qualidades estéticas ou da importância histórica dos livros, sua necessária contextualização escapa aos limites do ensino fundamental. Por isso eles deixam de ter o caráter educativo que justificaria sua inclusão nos “cânones” ministeriais.

Mas seria prudente embasar o veto apenas nesse raciocínio simples e pragmático?. Recorrer ao Estatuto da Criança e do Adolescente, como fazem alguns comentaristas, transfere para o assunto uma série de implicações desnecessárias e, a rigor, incabíveis. Além disso, cria novos pretextos argumentativos para canetadas censórias que fazem do ECA um instrumento de higienização moralista da cultura. Semelhante raciocínio vale para as propostas de intromissão (correções ou cortes) no texto original de Lobato.

Também existe boa diferença entre delimitar as fontes literárias endossadas pelo Estado e aquelas difundidas por escolas particulares, eventos privados, publicações etc. Tentativas de “banir” Monteiro Lobato devem ser rechaçadas com a mesma virulência que se teria caso o atingido fosse, por exemplo, William Faulkner. Qualquer produção intelectual é legítima e passível de aproveitamento didático, a partir de certa idade e em ambientes reflexivos apropriados.

Causa certa estranheza que ninguém proponha a adoção de romances lobatianos livres de menções raciais pejorativas. A demonização do autor a partir de sua biografia gera simplificações tolas e contribui para animosidades que, num golpe de revanchismo, viram patrulhamento. Os defensores fervorosos da distribuição dos livros de Lobato se baseiam nessa vitimização fácil para amenizar o constrangimento com sua própria tolerância, por décadas, ao escancarado teor racista do escritor.

É nas origens e nas manifestações dessa surpresa que o debate sobre o racismo encontrará temas fecundos para se desenvolver.

*Jornalista, advogado, historiador e escritor, autor dos livros “O colar da Carol ta na grama”, “A colina da Providência”, “Pantomima”, “Acrimônia” e “Crisálida”.

Um comentário:

  1. Muita gente acha desnecessário o Dia da Consciência Negra. Na década de 1930 era tão natural ser racista que muitos não percebiam. Li, a partir dos 11 anos a obra completa de Monteiro Lobato, exatamente todos os livros infantis e não percebi o racismo, e nem me tornei racista por isso. Ainda que eu seja parda(meu bisavô era negro), soube que a minha mãe foi alertada para não se casar com um homem negro para não ter de amamentar um filho dessa cor. O motivo não era o desprezo pelos negros, mas uma maneira de se precaver contra o racismo aos filhos que seriam gerados. Será só isso? O tema é muito complexo.

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