quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Democracia salvadora

O poeta, ensaísta e diplomata mexicano Octávio Paz, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1990, sempre expressou fé irrestrita na democracia. Claro, como intelectual esclarecido e lúcido, detectou, e criticou, falhas e contradições nesse sistema que está muito longe da perfeição. Todavia, com tudo o que tem de ruim – e tem de fato – é, disparado, a melhor forma de se gerir qualquer sociedade e, principalmente, país. Claro que ele sabia do oportunismo de boa parte dos políticos, preocupados mais (ou apenas?) em fazer carreira, em acertar as próprias vidas e as de parentes e apaniguados, do que em atuar no legítimo interesse do povo que os elege.

Sabia das distorções das várias leis eleitorais, que raramente permitem que a verdadeira vontade dos eleitores seja atendida e respeitada. Sabia do desinteresse de parcela esmagadora da população pela política e da falta de noção do significado e da importância do voto. Sabia das fraudes eleitorais de toda a sorte, bastante comuns em países ditos democráticos e em alguns, inclusive, com suposta tradição democrática. Tinha plena consciência disso e de tantas e tantas outras deficiências. Denunciava tudo isso. Condenava sem hesitação todas essas distorções. Tinha noção de tudo o que era preciso ser melhorado. Não era ingênuo e nem alienado. Ainda assim, não conhecia nenhuma outra forma de governo que superasse ou mesmo remotamente igualasse a democracia. Você conhece? Eu não conheço!

Era de se notar seu entusiasmo com a redemocratização da América Latina, em fins da década de 80 do século XX e início da de 90, após longo e tenebroso período de ditaduras militares hemisfério afora. Em 1990, por exemplo, quando, finalmente, conquistou o Prêmio Nobel de Literatura, após vários anos de expectativa, em uma de suas tantas entrevistas, em que falava de tudo e não somente de poesia ou de livros, Octávio Paz assim se expressou a propósito: “Vivemos na América Latina a hora da alvorada. Amanhece em nossas terras algo que vale mais do que o poder, a riqueza ou a glória. Algo que nossa história, salvo em momentos isolados, nos negou cruelmente: a convivência pacífica na liberdade”.

Todo esse entusiasmo tinha fundamentação lógica, baseada em fatos. Ocorre que na ocasião – outubro de 1990 – a América Latina vivia um raro período de liberdade democrática (que bem ou mal, ainda persiste na maior parte dessa região do mundo), em que apenas três países tinham governos não eleitos pelo povo: Cuba, Panamá e Haiti. Isso era (e ainda é) raridade para povos acostumados a recorrentes golpes de Estado, a pseudo-revoluções salvadoras e, sobretudo, ao desbragado “vício” do caudilhismo.

Para Octávio Paz, não há outro caminho para a humanidade que não seja o da democracia. Não existem alternativas ou opções que não esta. Parece óbvio (e é), mas parcela considerável da humanidade não pensa assim. O poeta, ensaísta e diplomata sempre defendeu a convivência livre, harmoniosa e pacífica entre “diferentes”. Ao contrário do que pregam determinadas ideologias totalitárias, destacava que na eliminação das diferenças pela força, ou mesmo pela coação, reside a semente da destruição humana e do caos. Escreveu, em um de seus ensaios: “O que põe o mundo em movimento é a interação das diferenças, suas atrações e repulsões; a vida é pluralidade, morte é uniformidade”. E não é? Afinal, na natureza não há sequer duas folhas que sejam rigorosamente iguais. Há semelhanças, posto que jamais a igualdade.

Octávio Paz – ao contrário de muitos intelectuais, até bem intencionados, mas ingênuos, que confundem ideais com meros devaneios – não se deixava levar por fantasias e nem por meros sonhos em suas projeções de futuro. Condicionava sua excelência (e até existência) não a fatores aleatórios, mas às ações humanas. Entendia que, se o homem conseguir dominar seus baixos instintos, notadamente o tânico, ou seja, o de destruição; se lograr calar seus demônios interiores e usar o magnífico potencial do seu cérebro para construir uma sociedade minimamente justa e solidária, poderá fazer raiar no Planeta a Idade de Ouro, tão sonhada pelos utopistas. Caso contrário... Será a catástrofe. E quem sobreviver a ela (caso haja sobreviventes), viverá num mundo em que não valerá a pena viver. Se confrontará com uma realidade muito mais tenebrosa e sofrida do que a do Inferno pintado por Dante Aligheri em sua “Divina Comédia”.

Octávio Paz advertiu a propósito: “O futuro que nos aguarda pode muito bem não ser o lugar de uma perfeição almejada por nós, mas sim a eclosão de catástrofes: a explosão populacional, a poluição, as catástrofes políticas, a física moderna com seu arsenal nuclear, a destruição antiecológica de todos os recursos da Terra que permitam a vida nela. A sociedade diante da hecatombe atômica não pode crer muito no futuro”. Pessimismo? Não! É a realidade, que ainda pode ser mudada. Mas... haverá tempo para a mudança, que já teria que ter sido iniciada e ainda não foi? Temo que não!

Boa leitura.

O Editor.

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