segunda-feira, 7 de julho de 2014

Noite de gala

* Por Daniel Santos


O operário dizia ao filho que estava construindo um prédio tão alto quanto essas montanhas de onde descem cachoeiras. E prometia levar o  garoto até lá em cima na inauguração para lhe dar uma idéia da obra toda.

Durante dois anos, o menino sonhou com aquele momento, enquanto os trabalhadores davam um duro danado. Mas valeu à pena: a obra ficou tão bonita, tão bonita, que veio gente de toda parte para ver.

O garoto cobrou, então, a antiga promessa, mas os seguranças só deixavam entrar na festa com convite. O trabalhador explicou que não queria comer nem beber, só mostrar ao filho seu trabalho, e o enxotaram.

Arriado de desimportância, um zé-ninguém a quem haviam usurpado a autoria da sua máxima obra, decidiu que aquele orgulho não tirariam da criança e escalou o edifício por um andaime dos fundos.

Lá em cima, abriu a braguilha. Um farto jato dourado de urina esguichou como insulto sobre a multidão, enquanto o garoto aplaudia, afinal, o que aguardara tanto tempo para assistir: o espetáculo da cachoeira.

* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.



Um comentário: