quinta-feira, 24 de julho de 2014

Divagando sobre o amor

O amor, como tema literário, é o maior desafio para qualquer escritor que se preze, embora seja, disparado, o assunto sobre o qual mais já se escreveu, se escreve e provavelmente se escreverá enquanto houver seres humanos na face da Terra.. Não é fácil (muitíssimo pelo contrário) ser original ao se escrever algo sobre tema tão batido. O maior risco, do qual poucos escritores escapam (sobretudo poetas) é o de errar na dose e resvalar para a pieguice. Ainda assim... as abordagens piegas terão lá seus leitores (a menos que sejam ridículas em demasia) e mesmo seguidores. A imensa maioria dos textos produzidos versando, de uma forma ou de outra, sobre esse sentimento tão simples e simultaneamente tão complexo (que tremendo paradoxo!), não passa de mera variação em torno dele. E, ainda assim... Mudam-se palavras, variam-se metáforas, alteram-se situações, criam-se novos personagens, trocam-se estilos, todavia, no fundo, no fundo, são ditas, escritas (e lidas) sempre e sempre as mesmissimas coisas a propósito.

São raros os livros – talvez apenas os técnicos e os didáticos, se tanto – e não importa de que gênero, que não tratem de amor. A literatura de ficção tem nesse tema seu foco preferencial. Mesmo em enredos de aventura, que esbanjem violência e vilania, os autores dão um jeito, não raro até inconscientemente, de encaixar esse assunto. E tanto faz que seja de amores bem-sucedidos ou dos frustrados, que deixam na alma o amargo travo da rejeição ou, pior, da traição. Em poesia, então, nem é preciso destacar. O gênero praticamente existe em função do amor.

Crônicas a propósito, então, existem aos milhões. Eu mesmo já escrevi infinidade delas, por volta de um milhar (mesmo que nunca tenha contado quantas), embora admitindo que em nenhuma fui minimamente original (é possível isso?) ou mesmo que com elas tenha logrado fazer sequer arremedo de boa literatura. Bem, julgamentos a esse propósito não me cabem, porquanto jamais seria imparcial. Ou carregaria nas tintas das críticas, no afã de alcançar  impossível perfeição, ou me deixaria levar por tola pirotecnia verbal, que a vaidade impediria de detectar ou mesmo de admitir. Em suma, não farei nenhuma autocrítica. Não, pelo menos, aqui e agora. Deixo a tarefa para meus incógnitos leitores.  

Li, nos últimos três dias, várias crônicas tendo por tema o amor. Fiz esse (delicioso) exercício até como uma espécie de antídoto, para neutralizar e depurar o veneno do pessimismo que, à minha revelia, se apossou do meu espírito ao tratar de temas penosos, como o do aquecimento global, que me deixaram mais do que preocupado: desesperado. A realidade, nua e crua, no entanto (posto que, neste e em tantos outros casos necessária), nos desanima, preocupa, aflige e até mesmo causa alarme. E a vida (felizmente) não é constituída somente de insanidade, violência, cobiça, maldade etc.etc. etc., enfim de tudo o que torna o mundo muito pior do que poderia e deveria ser. Há, nela, espaço para a alegria, o riso, o bom-humor e até para um tantinho (quem sabe um tantão) de felicidade.

Das várias crônicas que li, separei trechos de duas, ambas, escritas por poetas, que partilho, gostosamente, com vocês. A primeira é de Mário Quintana e intitula-se “Felicidade realista”. Nela, o sublime escritor dos Pampas observa, em determinado parágrafo:

“E quanto ao amor? Ah, o amor... não basta termos alguém com quem podemos conversar, dividir uma pizza e fazer sexo de vez em quando. Isso é pensar pequeno: queremos AMOR, todinho maiúsculo. Queremos estar visceralmente apaixonados, queremos ser surpreendidos por declarações e presentes inesperados, queremos jantar à luz de velas de segunda a domingo, queremos sexo selvagem e diário, queremos ser felizes assim e não de outro jeito”. E Quintana não está certo? Pelo menos eu quero, sempre e sempre, contar com um amor assim...

A outra crônica que me chamou, em particular, a atenção, foi escrita pelo também poeta Affonso Romano de San’Anna”. Seu título é “Aprendendo a amar” e dela separei dois trechos, em particular, para partilhar com vocês. No primeiro, o autor escreve:  

“Não tema o romantismo. Derrube as cercas da opinião alheia. Faça coroas de margaridas e enfeite a cabeça de quem você ama. Saia cantando e olhe alegre. Recomendam-se: encabulamentos; ser pego em flagrante gostando; não se cansar de olhar, e olhar; não atrapalhar a convivência com teorizações; adiar sempre, se possível, as reclamações pela pouca atenção recebida. Para quem ama toda atenção é sempre pouca. Quem ama feio não sabe que pouca atenção pode ser toda atenção possível. Quem ama bonito não gasta o tempo dessa atenção cobrando o que deixou de ter”. Que tal agir dessa maneira?
           
O segundo trecho da crônica “Aprendendo a amar”, de Affonso Romano de Sant’Anna, porém, fornece-me o “gancho” ideal para encerrar estas descompromissadas e super-espontâneas reflexões. Nele, o autor escreve: “Não teorize sobre o amor (deixe isso para nós, pobres escritores que vemos a vida como criança de nariz encostado na vitrine, cheia de brinquedos dos nossos sonhos): não teorize sobre o amor, ame. Siga o destino dos sentimentos aqui e agora”. É isso! Nós, escritores, temos a incorrigível mania de teorizar sobre tudo e sobre todos. Até sobre o que não comporta teorias. Se tivermos vontade de escrever sobre o amor, escrevamos, se é o que nos satisfaz. Mas não nos limitemos a escrever. Afinal, esse sentimento existe não para ser teorizado, virado no avesso e dissecado, como o cadáver de algum animal raro que desejemos empalhar e guardar como troféu, como se fôssemos frios taxidermistas. Está aí, solto, no ar, ao nosso alcance (suponho) para ser sentido, e em toda a sua glória, posto que com todos os riscos que o ato de amar implica, mas que valem a pena correr. E como valem, concordam?

Boa leitura.


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