Decadência ignorada
A goleada sofrida pela
seleção pentacampeã do mundo, diante da Alemanha, por incríveis 7 a 1, apenas
escancarou uma realidade que teimamos em ignorar, movidos pela paixão e pela
característica mais marcante do nosso povo, que é a esperança: o futebol
brasileiro, por uma série de razões, que certamente serão dissecadas nos
próximos meses ou até anos – que pretendo abordar, com mais vagar, oportunamente
– está decadente. E a decadência não vem de agora. Vem de longa data e começa
pelos clubes, administrados de forma amadorística dentro e fora de campo, o que
se reflete, fatalmente, na Seleção.
E por que essa bola não
foi levantada antes e só agora essa fragilidade é admitida (e não por todos)?
Por uma série de razões. Uma delas é a de que a “profissão do brasileiro é a
esperança”. Há, até, uma peça de teatro famosa, escrita em 1966 por Paulo
Pontes, autor da consagrada série de TV da Rede Globo, “A grande família”,
tratando disso. E o excelente escritor não está certo? Claro que sim! Para quem
não soube nada desse memorável trabalho artístico, ou se esqueceu dele, lembro
que, oito anos após escrita, a peça voltou ao cartaz, em setembro de 1974,
tendo como protagonistas os saudosos Clara Nunes e Paulo Gracindo. Foi
transformada, na sequência, em um LP de grande sucesso, da gravadora Odeon. O
enredo foi baseado na história da cantora Dolores Duran e do compositor
pernambucano Antonio Maria. Ela daria não apenas uma peça, mas uma novela ou
até mesmo um filme digno de Oscar. No LP, Clara Nunes e Paulo Gracindo são acompanhados
por uma Grande Orquestra e a direção coube à extraordinária Bibi Ferreira. Esse
conjunto todo valorizou, sobremaneira, o super bem sacado texto de Paulo
Pontes.
Bem, fechado esse
parêntese, voltemos ao assunto de hoje. Não detectamos a fragilidade da Seleção
Brasileira fundamentados, quase que exclusivamente, no que nos caracteriza: a
esperança. Este sentimento, aliás, foi justificado e até potencializado por
algumas razões. A primeira, a principal, é que o grupo que nos representou (e
representa) é composto, quase todo, por atletas que atuam no Exterior. Todos
eles têm destaque em seus respectivos clubes. Só quatro selecionados jogam no
Brasil e apenas um único é titular: Fred (justo o jogador escolhido para “bode
expiatório” pela imprensa e, consequentemente, pela torcida, pelo vexame
nacional). Embora sua performance tenha sido, de fato, pífia, considero isso
uma enorme sacanagem, como se o goleador do Fluminense fosse o único
responsável pela fragilidade técnica desta geração. Claro que não é. Dos outros
três integrantes da atual seleção que jogam no Brasil, dois são goleiros,
Jefferson e Vítor, e o terceiro é um centroavante que em outras circunstâncias
jamais seria convocado, mas desta vez foi, ou seja Jô.
Mesmo no Exterior, o
Brasil não tem opções para a posição. A única que, “talvez”, desse certo é
Diego Costa, campeão espanhol pelo Atlético de Madrid. Este, todavia, optou por
defender a Seleção da Espanha, e se deu mal. Não mostrou nem 1% do seu
potencial ofensivo e naufragou junto com toda a equipe da chamada “Fúria”, ou “La
Roja”, como estão preferindo ser chamados. A segunda razão que potencializou
nossas esperanças foi a ilusória conquista da Copa das Confederações no ano
passado. A terceira, foi o fato da Copa ser disputada no Brasil. Supunha-se que
isso seria considerável vantagem para nós e não o peso psicológico sobressalente
que se revelou ser, pela obrigação de ganhar uma competição que estava muito
acima da sua capacidade. Poderia citar outras, mas as que citei já bastam. .
A fragilidade técnica,
tática e anímica do futebol brasileiro começou a dar fortes indicações de sua
existência com a eliminação dos comandados de Dunga, diante da Holanda, em
2010, na África do Sul. O insucesso foi atribuído a inúmeros fatores, menos ao
real. Continuamos iludidos quanto à nossa capacidade, cada vez menor na
comparação com a de outros centros. Na sequência, nossos clubes de ponta,
ganhadores da ilusória Copa Libertadores da América, deram mostras cabais da
nossa não admitida 0fragilidade. Não nos tocamos. Continuamos achando que nosso
futebol ainda era o melhor do mundo, quando já não era e já bom tempo.
Quando em 14 de
dezembro de 2010, o Mazembe, do Congo (vejam só!!!), derrotou o Internacional
de Porto Alegre, por 2 a 0, no Estádio Mohammed Bin Zayed, em Abu Dhabi, nos
Emirados Árabes Unidos, o vexame foi atribuído exclusivamente a erro tático do
treinador Celso Roth, tido e havido como “retranqueiro”. Como é fácil, no
Brasil, acabar com a carreira de excelentes profissionais! Bem, avancemos um
pouco. Em 18 de dezembro de 2011, o Barcelona humilhou o Santos, com uma
goleada de 4 a 0, em Yokohama, no Japão e ninguém se tocou. Neymar, a esperança
santista, foi anulado e praticamente não pegou na bola. Muricy Ramalho
confessou, na oportunidade, que o poderoso adversário deu uma “aula” de como
jogar futebol à sua equipe. Mas o fracasso santista foi atribuído,
exclusivamente, ao clube e não à fragilidade do futebol brasileiro.
Pior ainda foi o que
aconteceu em 2 de agosto de 2013, no Camp Nou. Em jogo que marcou a estréia de
Neymar com a camisa catalã, o Barcelona massacrou esse mesmo Santos, fazendo
humilhantes 8 a 0. O clube da Vila Belmiro, que já foi o mais poderoso e temido
do mundo, foi alvo de chacotas e de zombarias das torcidas adversárias, como se
fosse o pior entre os piores. Ninguém se tocou que a falha não estava
propriamente no alvinegro praiano (ou não somente nele), mas em toda a
estrutura do futebol nacional. A ilusão da nossa supremacia se acentuou mais
ainda quando, em 16 de dezembro de 2012, no estádio de Yokohama, no Japão, o Corinthians
derrotou o Chelsea por 1 a 0 e conquistou o título. Ninguém relativizou o
resultado. Não se levou, por exemplo, em consideração a forma como o clube
inglês conquistou a Liga dos Campeões da Europa, mercê ferocíssima retranca e
incrível sorte. Mas...
O que ocorreu em 18 de
dezembro de 2013, em Marrakech, no Marrocos, poderia nos devolver à realidade,
mas não devolveu. O Atlético Mineiro imitou o Internacional de Porto Alegre de 2010
e foi derrotado pela frágil e desconhecida equipe marroquina do Raja
Casablanca, por 3 a 1. A derrota, porém, foi atribuída a uma porção de motivos,
menos ao principal e óbvio. Ou seja, à então já crescente fragilidade do
futebol brasileiro. E se ainda havia dúvidas a esse respeito, estas poderiam
ser dirimidas com o que ocorreu há somente poucas semanas antes do início da
Copa. Todos os representantes do Brasil na pífia e reles Libertadores da
América, TODOS os seis, sem exceção – Cruzeiro, Atlético Mineiro, Grêmio,
Atlético Paranaense, Flamengo e Botafogo – foram eliminados da competição. Nenhum, portanto,
chegou nem mesmo às semifinais. Mas... ninguém se tocou. Agora fomos forçados,
de forma das mais traumáticas, a cair na realidade. Cairemos? Não sei!!! Voltarei, certamente, ao assunto, que tende a
render muito, mas muito mesmo, estejam certos.
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Uma retrospectiva que nos faz entender melhor o que se passou.
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