Boladas no céu da boca
* Por
Fernando Yanmar Narciso
De todas as virtudes do
povo brasileiro, a soberba não deveria jamais constar na lista. Justiça seja
feita: Eram 32 times, representando 32 nações, todas elas de olho na “Taça”
Fifa- um artefato indecifrável, que até hoje creio ter sido projetado por
extraterrestres- e na consagração máxima diante dos olhos do mundo. Então, não
foi arrogância de nossa parte quando acreditamos que, pelo simples fato de
termos recriado o esporte à nossa maneira há 60 anos, monopolizado o “caneco”
cinco vezes e sermos o país-sede do torneio, nossa vitória já era certa e
sabida?
Humildade sequer entrou
na pauta da atual seleção brasileira. Era vencer ou vencer, como disse o
Parreira. Derrota simplesmente não foi uma opção a ser discutida com o time. A
História nos provou inúmeras vezes que toda vez que a seleção e a torcida se
deixam contagiar pelo detestável clima de “já ganhou”, o resultado é
catastrófico.
Apesar de nosso destino
cruel nos pés alemães, ambos os times tiveram trajetórias semelhantes no
torneio. Na primeira fase ambos os times tiveram uma vitória de quatro pontos e
empates ardidos contra seleções modestas. Na segunda vencemos no sufoco um
rival tradicional e times de razoáveis para medianos. De ambas se esperava
muito espetáculo de futebol-arte e a torcida ficou só na espera.
Mas precisávamos mesmo
ter levado uma boiada tão acachapante? Será que merecíamos aquele vexame tão
inominável diante de uma Alemanha que, estatisticamente falando, nem é lá essas
coisas? Quer dizer, o time montado pelo sósia paraguaio de Jackie Chan não foi
nem de longe uma reunião de talentos capaz de encher os olhos do torcedor, mas
que estiveram mais preparados para o torneio que os canarinhos, não há dúvida
alguma!
Quer dizer, basta olhar
praquele time! Uma delegação de rugby disfarçada de time de futebol! Nossos
jogadores esquálidos não representavam qualquer ameaça àqueles galamprões
teutônicos. Era como se você fosse o boneco do jogo Pitfall do Atari e de
repente esbarrasse com os personagens de Street Fighter!
O coração do nosso time
esteve no lugar certo do primeiro ao último minuto de sua atuação na copa, já a
cabeça e os músculos, não. Você olhava pra eles, enfileirados, aos prantos na
hora de berrar o hino, e chegava a pensar como pudemos ser tão cruéis com
aqueles carinhas! Nunca haviam tido experiência em copas, não passaram pelas
eliminatórias, que é o martelo de bife pelo qual toda carne de segunda precisa
passar para alcançar a maioridade.
A maioria dos rostos o
país só conheceu no dia da convocação, e ainda tivemos sadismo e ingenuidade
para depositar o peso da nação nas costas daqueles pivetes? Tirando o Hulk e
mais uns quatro ou cinco, o resto tinha cara de quem descobriu ontem a
pornografia na internet. O insuperável e magnânimo 7x1 talvez não seja uma
punição merecida, mas foi um choque de realidade.
Agora não tem mais
volta, a CBF precisa passar por um Ctrl+Alt+Del secular se quisermos recuperar
a autoestima e a soberania da alegria do povo. Por outro lado, e se tivesse
sido o contrário? Teria sido justo com aqueles moleques se, por obra do acaso,
eles tivessem humilhado a Alemanha- claro que não por um placar tão
rocambolesco- e, assim, sido enviados à final contra a Argentina? De todos os
países, logo a Argentina!
Teria sido justo com
eles, se depois de uma copa vencida até a semifinal literalmente aos berros e
lágrimas, todos os problemas com preparo psicológico, pouco treino, tietagem de
fãs fora de hora e milhões gastos em campanhas publicitárias patéticas fossem
subitamente “perdoados” e os caras fossem transformados em heróis da nação sem
ter convencido em campo? Em uns 40 anos, os “segredos” do sucesso da seleção de
Felipão na copa de 2014 ainda seriam objeto de estudo. Parreira chegaria até a
lançar o livro “Formando Equipes Vencedoras: O Retorno”! Imaginem a situação!
Foi inegavelmente a Mãe
de Todas as Copas! A copa do mundo revisionista foi de fato implacável e
democrática, sem preconceitos contra nenhum país. Os países-divas do futebol
receberam a primeira prova real de seu valor no campo em anos, seus títulos e
tradições não representaram ameaça às verdadeiras onças vindas dos mais
improváveis rincões do mundo. Foi a primeira copa onde, literalmente, qualquer
país teve chances reais de sair vitorioso, pelo menos quanto ao nível tático.
Já quanto ao nível técnico é outra história...
O que acompanhamos por
um mês não foi uma copa do mundo de futebol, e sim de uma nova modalidade
esportiva: O xadrez humano. 90% dos jogos foram truncados, sem fluidez, onde os
dois bandos de palermas só resolviam tentar mostrar a que vieram na
prorrogação, e geralmente continuavam desapontando o torcedor. Se isso for o
novo futebol-arte, o padrão que todos os times ao redor do mundo passarão a
seguir após a copa, é melhor criarmos um novo nome pra “alegria do povo”...
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Escritor e designer gráfico. Contatos:
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O tempo vai passando e a deglutição dessa catástrofe vai se tornando mais palatável, mas como dói.
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