sexta-feira, 4 de julho de 2014

Antônio e Justino

* Por Eduardo Oliveira Freire

"Os dias talvez sejam iguais para um relógio, mas não para um homem."Autor - Proust , Marcel

Antônio brincava no quintal. Ele morava num lugar, que antes era uma senzala. Sua avó contava histórias dos tempos de escravos e de como eles sofriam nas mãos dos senhores. Não muito longe dali, havia a Casa Grande que já estava em ruínas.

Um dia, teve curiosidade de entrar nessa casa “mal assombrada”. Subiu uma escada velha, que rangia e teve medo de desabar junto com ela. Entrou no primeiro quarto que viu. Lá, havia uma cama antiga toda comida pelos cupins e sem colchão. Antônio, com medo, decidiu ir embora. Quando estava saindo do quarto, escutou uma voz de menino: – Espere negrinho!

Antônio assustado viu um menino com uma roupa esquisita. Tinha os cabelos cacheados e uma olhar desafiador. Antônio perguntou: – Quem é você menino? Nunca te vi mais gordo.

O outro disse agressivamente: – Negrinho abusado!

Antônio ficou furioso: – Você tá cheio de marra. Vou embora!!
– Fica onde está!
– Quer me bater, vem logo. Vou dar uma lição.

O menino de roupa esquisita pegou um chicote pequeno e correu para cima de Antônio, mas o chicote atravessou o corpo de Antônio sem causar nenhum arranhão.
– Bem feito! Quem manda ser metido, fantasminha.
– Vou falar com meu pai: O Conde das Serras Verdes.
– Espera aí, já ouvi falar nele. Minha avó falou que ele era um senhor muito mau.
– Ele não é malvado. É um homem forte.
– Mas, ele viveu há mais de cem anos atrás.
– Como assim, estamos em 1826.
– Não seu idiota, estamos no século 21.
  – Então, você não é um escravo?
– Não, sou livre. A princesa Isabel assinou a Lei Áurea e libertou todos os escravos negros. Você não sabia disso?
– Não.
– Qual é seu nome?
– Justino.
–  É um fantasma. Não pode estar vivo.
– Claro que não, vou chamar meu pai!

A casa continuou silenciosa. Ele percebeu que o outro estava com razão.  Depois da briga, ficaram conversando.

Com o passar do tempo, começaram a trocar informações sobre suas respectivas épocas. Antônio mostrou o celular, internet e o videogame. Já, o Justino mostrou seus livros prediletos e brinquedos antigos.

Antônio disse a Justino que os livros de sua época tinham uma linguagem mito difícil. Justino argumentava achar que a Internet transmitia informações com muita rapidez e ao mesmo tempo. Ele ficava com a cabeça embaralhada. Começaram a ficar amigos. Trocavam ideias e brincavam bastante.

O tempo passou e Antônio teve que viver a vida adulta. Casou e teve três filhos.  Entretanto, sempre fazia uma visita ao seu amigo e contava sobre sua mulher, filhos e depois os netos. Justino achava graça de ver o amigo crescer até ficar com os cabelos brancos. Um dia, Antônio nunca mais voltou.


Justino conheceu outros colegas que sempre o fizeram pensar que o mundo está em constante mudança. Muitas vezes, tinha medo de quando a vida humana acabasse, ficaria sozinho no mundo.

Quando aconteceu, vieram outros seres e Justino aprendeu muito com eles e ensinou sobre os seres humanos extintos. Sempre revivia a lembrança de quando encontrou Antônio, pela primeira vez.

Sentia uma nova sensação ao contá-la, como se sempre encontrasse algo novo que lhe passasse despercebido.

* Formado em Ciências Sociais, especialização em Jornalismo cultural e aspirante a escritor - http://cronicas-ideias.blogspot.com.br/

Um comentário:

  1. O final teve um salto rápido demais. Fiquei desapontada, pois estava gostando das trocas entre quase dois séculos de distância, mas ainda assim foi bom conhecer o tamanho da sua imaginação. Só não deve ir rápido demais. É um bom mote para um romance.

    ResponderExcluir