A nova escola
* Por
Urariano Mota
Toca a campa, a porta
da sala está aberta, mas o professor não entra. Passam-se 45 minutos. Pelo
horário, é chegada a hora da aula de biologia. A campa mais uma vez toca, da
turma vê-se um cão sarnento que passa no corredor, mas o professor de biologia
não entra. Soa então a hora da aula de filosofia. Finalmente será a boa hora de
Aristóteles e Platão. Seria. Porque de todos os lugares só vêm o barulho, os
gritos e caos das turmas libertas da sisudez dos filósofos. Em lugar de os
jovens são coléricos, irritadiços e geralmente deixam-se arrastar por impulsos,
pois são dominados pela fogosidade, mais
propriamente, como uma ilustração das palavras do filósofo ouvem-se a
mãe!
a sua!
aqui, ó!
, e outras interjeições da idade. Chega o fim do turno. Em vez de Física,
Matemática, Biologia, Filosofia, em lugar de toda essa chateação, há um
congraçamento, uma intimidade estreitada no maior calor, barulho e algazarra.
Volta para casa.
Nos dias que se seguem,
em razão mesmo da capacidade humana de generalizar, o estudante não mais
espera. Este é o primeiro passo da sua aprendizagem. Ele vai à escola, namora,
bebe, fuma, agarra-se, esbofeteia-se, nas salas, nos corredores, nos banheiros,
e de tal maneira, e com tamanho desenvolvimento da percepção, que nem sente
mais a dura passagem das horas. Não sente, mas aprende. A passagem das horas,
que ele não vê, é a esta altura compreendida como o usufruto, o gozo guloso do
tempo. E a gula, o que é: o instinto solto, no horário e espaço do colégio, que
perpetra um assassinato juvenil do tédio. E os dias, e os meses passam, e assim
se chega ao fim do ano. Então surge um incômodo, porque chega a hora de um
questionamento: Como promover os estudantes, como fazê-los progredir, já não
digo na alma, mas digo, como adiantá-los para uma nova série, se durante o ano
letivo estudaram piercings, tatuagens, fumo, insulto, pornografia e
escabrosidades escritas? Como? Deixemos por enquanto, suspendamos aqui essa
interrogação como uma espada de Dâmocles. Suspenda-se para que se divulgue ao
mundo:
No Brasil criou-se a
escola sem professores.
A instituição OCSENU,
ou a UNESCO invertida, premiaria a inovação. A Escola sem professores do
Brasil. Não há exagero, leitor. Nada do que foi dito até aqui, salvo o cão
sarnento que passeia nos corredores, nada do que se seguirá é invenção deste
cérebro doentio. Está nos jornais da semana: Ensino Público
Escolas estaduais iniciam semestre sem professores.
O nosso esforço é o de procurar entender, se nossa limitada experiência
permitir. É dos jornais: Segundo o Sindicato dos Trabalhadores em
Educação de Pernambuco, o déficit é de 10 mil docentes
. Ao que responde o chefe de gabinete da Secretaria de Educação, como se
corrigisse um exagero: Somente não há professores em 10% de
toda a rede estadual. E continua, sem se dar conta do que
diz: Esperamos
concluir o levantamento da carência até outubro, ou, no máximo, novembro.
Ora, se o levantamento , a estatística, se conclui até novembro, quando
dezembro chegar, as escolas sem professores já estarão bem acostumadas sem. É
natural e faz sentido: quem já passou o ano inteiro sem professor já se adaptou
à nova pedagogia. E nem precisamos recorrer à imaginação para compreender como.
Basta reproduzir o que lemos nos jornais.
Na Escola
Gercino Pontes, na Imbiribeira, não há professores de: Matemática (tarde),
História (tarde), Geografia (tarde), Educação Artística (noite), Geografia
(noite), Religião (noite) e Sociologia (noite). Para resolver o problema, a
carga horária dos professores foi reorganizada, de modo a não deixar turmas
inteiras sem aula. Vejam então o que
extraiu dos miolos o pobre do diretor: Na 7a. série,
por exemplo, são 3 aulas de História. Decidimos diminuir para 2. A terceira
aula se transformou em geografia. São tão parecidas,
não é? Mas vejam a outra solução, que amplia a miséria com uma melhor
distribuição da aritmética: Na 7a. série há 5 aulas
de Matemática. Como os alunos do 2o. ano do Ensino Médio estão sem professor da
disciplina, pedimos ao responsável pela 7a. para ali ministrar somente 3 aulas.
As outras 2 são para o 2o. ano. Brilhante, não? Quem já possuía
deficiência com 5 aulas, certamente melhorará com 3. Mas quem nada possuía,
ganhou 2, que é para depois não sair por aí dizendo que não tem professor.
Já na Escola Othon
Bezerra de Melo, no Ipsep, se descobriu um método de deixar um só professor em
dois lugares diferentes, ao mesmo tempo. Com a palavra, o mestre: a
solução para não deixar os alunos da 5a. e da 6a. séries da tarde sem aula de
Matemática foi juntar as turmas. E os programas
distintos, como harmonizá-los numa só aula? Era melhor com as
classes separadas , reconhece o mestre. Tive
que parar o cronograma, palavras do professor, tive
que atrasar o cronograma de uma delas para que a outra, que estava atrasada,
conseguisse acompanhar. Precisa de
comentário?
Na lista de escolas sem
professores, aparecia uma que particularmente nos tocou, o Colégio Alfredo
Freyre, em Água Fria. Ali não se ensinam mais Matemática, Biologia, Sociologia
e Filosofia. Movido pela lembrança dos bons tempos em que arremedamos uma
aprendizagem em suas salas, ligamos para a Secretaria de Educação.
- Eu gostaria de ensinar no Alfredo
Freyre. Como voluntário. Eu penso que poderia ensinar Matemática e Filosofia.
- O senhor é formado em quê?
- Em Jornalismo.
- Não pode.... sem habilitação na
disciplina, não pode.
- Nem de graça?!... Mas os alunos podem
ficar sem professor.
- O senhor entenda. O Estado não pode
sair pegando qualquer um na rua para ensinar.
Faz sentido. O Estado
pode construir prédios e chamá-los de Escolas. Ainda que desabem nos tetos,
ainda que os banheiros explodam sujos, ainda que sejam Escolas sem água, sem
luz, sem esgotos e sem professores. Faz sentido. Imaginem só se o Estado fosse pegar
para a Nova Escola mestres e esgotos na rua.
*
Escritor, jornalista, colaborador do Observatório da Imprensa, membro da
redação de La Insignia, na Espanha. Publicou o romance “Os Corações
Futuristas”, cuja paisagem é a ditadura Médici, “Soledad no Recife” e
“Dicionário amoroso de Recife”. Tem
inédito “O Caso Dom Vital”, uma sátira ao ensino em colégios brasileiros.
O ex-governador e coordenador dessas escolas, ainda que indiretamente é Eduardo Campos, candidato a Presidente da República? Ampliando para todo o país, a escola sem professor não será boa para nós. Certo?
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