Perda
entre espelhos
* Por Pedro J. Bondaczuk
A regra básica da natureza é a
diversidade, a multiplicidade e a originalidade de todos os seres vivos,
animais ou vegetais (não importa). Tome, por exemplo, duas folhas de uma mesma
árvore, que aparentem serem rigorosamente iguais. Ou seja, que tenham o mesmo
tamanho, a mesma textura, a mesma cor etc., enfim, as mesmas características
essenciais. Você notará que são rigorosamente idênticas.
Todavia, se analisá-las com mais
cuidado – em laboratório, por exemplo – notará que o que lhe parecia
rigorosamente igual, uma folha sendo cópia perfeita da outra, apesar da
identidade que têm, não são, de fato, “iguais”. Ou terão alguma nervura com
diferença de tamanho ou de espessura; ou a quantidade de clorofila (ou de água,
ou de oxigênio) variará, de uma amostra para outra (nem que seja em ínfimos
microgramas) ou terá qualquer outro fator diferenciador, impossível de ser
percebido a olho nu. A natureza trabalha com combinações infinitas, mas nunca
se repete.
O mesmo ocorre com seres humanos.
Somos, simultaneamente, “parecidos” com outras tantas pessoas – do presente ou
do passado (há sósias e gêmeos univitelinos que parecem cópias rigorosamente
exatas uns dos outros) – e, no entanto, somos “diferentes” delas.
Embora todas as nossas
características genéticas estejam, estiveram, ou estarão presentes em alguém,
nunca estarão “todas” ao mesmo tempo num mesmo indivíduo. Afinal, proviemos
todos de uma “árvore” comum e temos, por conseqüência, alguns genes, não
importa quantos e quais, desse casal original.
Isso estabelece um aparente
paradoxo. Quer física, quer mentalmente, não somos, nunca, absolutamente
originais. Sempre haverá no mundo, não importa onde ou em que fração do tempo,
alguém que se “pareça” conosco, que pense de certa forma como nós, aja como
agimos etc. Todavia, não existiu, não existe e não existirá ninguém que seja
“igual” a nós. Semelhança, notem bem, não é sinônima de igualdade. Somos,
portanto, e simultaneamente não somos, originais. Entram, aqui, como fator
diferenciador da natureza, as noções de totalidade ou parcialidade.
Parcialmente, não importa em
quantas “partes”, somos iguais a alguma outra pessoa que já viveu ou ainda
vive. Provavelmente a uma infinidade delas. Mas por mais que nos “pareçamos”,
sempre haverá um fator que nos diferencie, como no caso das folhas, que citamos
como exemplo.
Mesmo que a igualdade física,
biológica, celular fosse possível, ainda assim nenhuma pessoa seria
rigorosamente igual à outra. O que chamamos de “personalidade” é formado por
uma série de fatores, como o ambiente em que vivemos, os indivíduos com os
quais nos relacionamos, a maneira como somos educados, o que vemos, lemos e
ouvimos etc.etc.etc. E, convenhamos, nenhum dos 6,7 bilhões de habitantes do
Planeta, nenhum, absolutamente nenhum, tem a chance de ter rigorosamente o
mesmíssimo histórico de vida de quem quer que seja.
Somos, portanto, únicos, no
conjunto, embora não sejamos originais nas partes. Jorge Luís Borges, com a
profundidade de espírito que o caracterizou (e que faz dele um dos meus escritores
preferidos, meu “guru”, mesmo não o tendo conhecido pessoalmente, o que lamento
muito), escreveu a propósito: “Não há coisa que não esteja perdida entre
infatigáveis espelhos”.
Ou seja, não fomos, não somos e
jamais seremos absolutamente originais. Todavia, ninguém, absolutamente
ninguém, é igual a nós. “Parecidos” há um número que pode ser até
estratosférico, desses carregados de zeros à direita de determinada cifra. Tudo
está, pois, perdido entre “infatigáveis espelhos”, cujas imagens tendem a nos
iludir, caso não tenhamos capacidade de análise.
Borges ainda afirma: “Nada pode
ocorrer uma só vez”. É verdade. Contudo, devo acrescentar que essas ocorrências
nunca são iguais, posto que parecidas. Só o fato de ocorrerem num outro tempo,
com outros protagonistas, já as torna diferentes. Embora estas observações,
certamente, não venham a mudar a rotação da Terra e nem façam o dólar subir,
não passam de excelente exercício de raciocínio. Ou não são?!!
* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio
Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor
do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico
de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos
livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos),
além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O
Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com.
Twitter:@bondaczuk
Elucubrações que causam medo. A cifra de terráqueos atual deve ser bem mais de 7 bilhões de almas. Você mesmo nos noticiou o fato há algum tempo. Os giros que fez nosso pensamento dar com seu artigo foram dignos de nota. E mais, considerando toda a existência humana sobre a Terra, um tempo de 20 mil anos segundo alguns, dá, de fato a possibilidade de quase repetição de muitos genes, porém, devido ao fator tempo, esses seres funcionariam como clones, mas ainda assim seriam totalmente diferentes em comportamento e personalidade devido a vivência/experiência de vida, também citadas por você. As suas rápidas pinceladas nos fez despertar para um mundo de suposições matemáticas do porte de como ficamos a imaginar a imensidão do espaço sideral. Um superexercício.
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