terça-feira, 31 de julho de 2012

Salvo pela Literatura

A rebeldia de Edgar Allan Poe, nos anos de sua juventude (característica, aliás, de que nunca se livrou), não o credenciava a ser escritor e nem a exercer outra profissão qualquer. O rapaz detestava os estudos, o trabalho, as responsabilidades e amava a boêmia, o carteado e o álcool. Tornou-se rotina chegar em casa altas horas da madrugada, carregado pelos amigos, tão embriagado que talvez nem soubesse o próprio nome, para desespero dos pais adotivos, o casal John e Francis Allan. As brigas com o padrasto tornaram-se, como seria de se esperar, constantes. E não somente pela costumeira embriaguez, mas por causa das dívidas de jogo que o moço contraía e que o tutor tinha que pagar.

A passagem de Edgar pela Universidade de Virgínia durou pouco, por volta de um ano, se tanto . Alguns biógrafos garantem que foram apenas sete meses. Ao contrário do que havia ocorrido na escola escocesa em que estudou, quando escapou por muito pouco da expulsão e esta somente não ocorreu porque a família decidiu regressar aos Estados Unidos, desta vez, não teve jeito. O rapaz foi expulso. Pudera! Seu estilo aventureiro e boêmio era incompatível, claro, com a vida acadêmica. Foi a gota d’água no seu relacionamento com o tutor. Paciência tem limites. E ocorreu o rompimento de relações entre ambos.

O jovem, sem profissão, e agora sem amparo financeiro, no verdor dos 18 anos, alistou-se nas Forças Armadas. Foi uma das raras decisões acertadas que tomou na época e surpreendente até. Afinal, o natural seria um sujeito rebelde, como ele, fugir do serviço militar, já que a vida na caserna é caracterizada pela extrema disciplina e irrestrita obediência aos superiores hierárquicos. Ou seja, tudo o que ele detestava fazer e não fizera até então.

Ocorre que, para meu espanto, e de todos os que já leram alguma de suas tantas biografias, o danado do “cabeça oca” tinha um talento inato para as letras. Escrevia, e muito bem, poemas e mais poemas e, nos raros momentos de sobriedade, lia tudo o que lhe caía nas mãos referente à literatura, e não somente do seu país. No mesmo ano em que se alistou, publicou seu primeiro livro, “Tamerlane and other poems”. E isso aos 18 anos de idade! A mágoa com seu pai adotivo (imotivada, óbvio) foi tão grande que, ao se alistar, o fez com outro nome, que não o seu: Edgar A. Perry.

Como seria de se esperar, sua passagem pelo quartel não durou muito, apenas dois anos (o que era uma eternidade para os seus padrões). Em 1829, sua madrasta, Francis, morreu. Foi um golpe muito grande para o rapaz. Aquela mulher amável e generosa amou-o como filho de fato e fez, via de regra, vistas grossas aos seus defeitos e rebeldia. Foi nessa ocasião que Edgar publicou seu segundo livro, “Al Aaraf”. A dor da perda da mulher que o acolheu quando tinha apenas um ano de idade e ficou órfão de mãe, o reaproximou do padrasto, com o qual se reconciliou. Mas... a reconciliação duraria pouco, muito pouco, pouquíssimo.

John, supondo que o moço, após tanta cabeçada, havia aprendido a lição, chegou à conclusão de que o melhor caminho para o filho adotivo era a vida de soldado, para a qual achava que levava jeito. E inscreveu-o, em 1830, aos 21 anos, na tradicional Academia Militar de West Point, em Anaheim, tradicional centro de formação de oficiais do Exército dos Estados Unidos e sonho da maioria dos jovens norte-amerticanos. E o que vocês acham que aconteceu? Que Edgar, finalmente, se regenerou, tomou juízo e fez carreira? Não, não e não. Apenas sete meses após seu ingresso na instituição, o rapaz foi expulso, após uma série de prisões, sempre pelos mesmos motivos: embriaguez, insubordinação e desordem.

Desta vez, não houve jeito. John rompeu, de vez, as relações com o problemático filho adotivo e nunca mais as reatou. Ambos jamais voltaram a se falar e a manter qualquer tipo de contato. O padrasto viria a morrer quatro anos após a ruptura, em 1834, sem se reconciliar com o já então escritor.

Sem a bolsa do tutor, para custear-lhe as despesas e desperdícios (principalmente), Edgar teve que trabalhar. E, como a única coisa que sabia fazer era escrever (e, convenhamos, não é pouca coisa) partiu para esse caminho. Deu-se bem, excepcionalmente bem (posto que não financeiramente). Foi nessa ocasião que enveredou para o caminho da ficção, redigindo histórias curtas (que então eram novidade nos Estados Unidos), de mistério e de terror.

Desabrochara o escritor, que já não era inédito, porquanto havia lançado dois livros de poesia. O Exército perdeu um, provavelmente, mau oficial, mas as letras ganharam, em contrapartida,genial inovador. Pode-se dizer que Edgar Allan Poe foi salvo (só em parte, é verdade) pela Literatura. Querem saber o que aconteceu na sequência? Bem, nada como um pouco de suspense, ao tratar da vida de um mestre do gênero. Depois... Bem, deixo a continuação da narrativa de sua vitoriosa carreira para outra ocasião.

Boa leitura.

O Editor.

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Um comentário:

  1. Surpreende ter feito tanta confusão com apenas dezoito anos. A rigidez era grande no começo do século 19. O alistamento deve ter-se dado em 1830, e não 1930 como foi digitado. Quase duzentos anos já. Quanto brilho. Gosto dessas histórias.

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