quarta-feira, 25 de julho de 2012

Quem tem tempo vai à Roma


* Por Mara Narciso


O bem mais precioso é a vida e esta é medida em tempo. Assim, o bem maior que se tem é o tempo. Ou talvez a saúde, ou quem sabe a visão? Ninguém gosta de esperar, e quando se vê obrigado a isso, entende estar jogando fora o seu valor maior. Em certas ocasiões há os grandes gastadores de tempo que se tornam usurários em outras, e ainda noutras são pedintes, ávidos por uns trocados de tempo. E quando a ampulheta deixa cair seus últimos grãos, a quem poderão recorrer?

“Me dê um copo d‘água tenho sede”. E quando se tem sede de tempo? Onde comprá-lo? É que tempo é dinheiro e São Paulo não pode parar. Quando se aborda gente importante se solicita: o senhor teria um minuto do seu tempo para me dar? Não para entregá-lo, mas para compartilhá-lo. É o tal de dar atenção, e muitos não querem dar nada. O relacionamento está ruim, e a pessoa fala: “melhor darmos um tempo”, que significa exatamente o oposto, “eu não quero lhe dar nem um minuto do meu tempo”. Há quem se faça de difícil, mostrando-se verdadeiro sovina. E para quê? Para “ter todo o tempo do mundo” e ficar olhando as paredes, abraçado ao seu egoísmo, beijando apaixonadamente o seu tempo.

A passagem do tempo sempre intrigou os humanos. O tempo sempre segue numa única direção ou é possível voltar no tempo? Para Platão (427 - 348 a.C.) o tempo nasceu quando um ser divino colocou ordem e estruturou o caos primitivo. O tempo tem, portanto, uma origem cosmológica. Segundo a Teoria da Relatividade de Einstein, cada um tem seu tempo, e nós só vivemos em tempos semelhantes por estarmos nos movendo em velocidades iguais. Se vivêssemos em velocidades diferentes o tempo passaria diferente para cada um de nós, sendo mais lento para quem viaja a velocidade da luz. A física explica.

A marcação do tempo deveria ser contada baseando-se no tempo útil. Porém o que é útil para uns é desperdício para outros. Quando são livres, as pessoas usam o tempo como acham melhor. Sob esse aspecto você se sente realmente livre no gasto do seu tempo?

É natural imaginar que à medida que a idade avança menos tempo se tem. Assim os jovens não pensam no final do seu tempo, e o velho costuma pensar que seu tempo está se esgotando. Quando surgem doenças graves é comum a pessoa tomar um de dois caminhos opostos: ou se joga na vida e faz tudo o que teve vontade e não achou coragem nem tempo, ou se entrega a falta de sorte, deitando-se e esperando a morte.

O que você faria caso ganhasse milhões na loteria, ou seu oposto, que atitude tomaria caso soubesse que tem um mês de vida? Entregar-se-ia a esbórnia ou daria a sua alma a Deus, pedindo perdão pelos seus pecados? Apenas um pai boníssimo não repudiaria esse comportamento chantagista. Mas na religião o impossível é possível.

E quando um amor se acaba de forma irremediável? É comum se lamentar o tempo em que não se ficou junto, em que não se amou tudo, em que nada foi feito para si e para o outro. E quando morre um ente querido, e se vê que se poderia ter dado mais carinho? A pessoa morreu. O tempo dela acabou! Não adianta fazer sepultura bonita e ir pra lá chorar. A falsidade come o dono dela, consumido pela culpa. Assim, vamos ao óbvio. Caso não queira passar por arrependimentos, demonstre amor enquanto há tempo, pois, quem é que sabe? Mesmo os que têm premonição desconhecem o futuro. Caso a vida do outro não acabe, a sua poderá se acabar, e afora os que crêem em reencarnação, parece não haver possibilidade de volta.

A vida muda em uma fração de tempo. Um atraso faz perder o bonde ou o avião ou o casamento, ou a saúde. Feliz ano velho é isso. Tudo era melhor antes daquele momento trágico. Rebobinar o tempo para fazer diferente? Não, voltá-lo para viver tudo outra vez. Exatamente igual. Quem puder falar assim estará usando bem o seu tempo. Você está?

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade” – blog http://www.teclai.com.br/

6 comentários:

  1. O tempo, este recurso não-renovável. O mais precioso deles. Ótimo texto, Mara. Definitivamente, ganhei com a leitura muito mais que o tempo gasto. Um grande abraço e parabéns.

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    1. Como sempre uma atenção generosa e agradável. Agradecida por não considerar perda de tempo ler meu texto. Muito obrigada, Marcelo!

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  2. Excelente abordagem de um tema que sempre é complicado (e que me é tão caro). Concordo, sem titubear, com todas suas colocações. Parabéns!!

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    1. Sei como você gosta do assunto e muito aprendo das suas colocações, Pedro. Obrigada por comentar.

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  3. Desculpe não ter lido ontem, Mara. É que estou de férias, sem compromisso com o tempo, rsrs...
    No meu caso, já estando mais para o fim, enxergando a velhice numa curva bem mais próxima que desejo, o fator tempo tem ocupado muito meus pensamentos... e tem me feito perder tempo... arre!
    Sua abordagem foi perfeita... Parabéns!

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    1. Agradecida pela sua passagem e comentário, Marleuza. Antes era aos 70 e hoje é aos 80 anos. Ultrapassada essa curva, os sobreviventes passam a falar a todos quantos carnavais já viveram. Enxergo envelhecer como uma benção. Ainda assim, com um certo temor da invalidez. Afinal, quem não a teme?

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