terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Frevo: a bênção esperada

* Por Leonardo Dantas Silva

O reconhecimento do Frevo como Patrimônio Imaterial da Humanidade pela Unesco, vai de encontro ao que, nos anos quarenta do século vinte, vaticinara o poeta Austro Costa:

Não sei se devo, ou não devo
Dizer, mas digo afinal:
– Se até Roma fosse o Frevo,
Teria a Bênção Papal!

A imagem desse fenômeno, com as cores que pude captar, transcrevi quando da publicação do meu livro, Carnaval do Recife(2000), ao tentar descrever em letra de forma aquilo que se repete em nossas ruas há mais de um século...

Tentei inspirado nas páginas de Mário Sette (Seu Candinho da Farmácia), descrever a emoção do folião tão bem expressa na exclamação de Capiba: É Frevo, Meu Bem!

No bairro recifense de São José, um clarim ecoa dentro da noite. Seguem-se o rufar dos taróis, a cadência binária do surdo, os acordes dos metais e a marcação dos tubas. À medida que o cortejo se aproxima, sentimos a presença das palhetas (requinta, saxofones e clarinetas), como a responder um diálogo com os metais.

De todas as partes aparece gente. Nas ruas estreitas do poético e tradicional bairro recifense, homens, mulheres e até crianças correm dentro da noite, aos tropeções, com um sorriso nas faces e uma demonstração de felicidade, produzidos, como que por uma mágica, por aqueles acordes ainda distantes.

Velhos abrem as portas de casas estreitas, passando a caminhar apressadamente pelas calçadas. Quem não pode se locomover, fica apreciando a multidão das janelas e das sacadas das varandas. Parece que a loucura tomou conta do mundo.
– É ele que vem...
– É Vassoura, arreparem os foguetes!
– Está na Rua das Calçadas, vamos atalhar pelo Beco do Sirigado...

Um estandarte, bordado a ouro e cheio de lantejoulas e pedrarias, preso a uma haste de metal de cerca de três metros, encimado por duas “vassourinhas”, cruzadas, parece flutuar, em plena noite do Recife, com suas evoluções sobre multidão heterogênea.

Não tem mais o que discutir: é o Clube Carnavalesco Misto Vassourinhas que sai de sua sede em mais um dos seus ensaios de rua.

A multidão vai se avolumando, comprimindo-se, já tomando direção da Rua Direita, enquanto os acordes de um binário sacolejante tornam-se mais presentes e colocam o povo em alvoroço: homens abraçados uns aos outros, outros sozinhos fazendo complicados passos, enquanto no meio da onda já aparecem dezenas de sombrinhas.

Pernadas, cotoveladas, pisadelas e empurrões não são sentidos em meio a tal confusão. Os demônios tomaram conta das ruas, antes tranquilas e até soturnas. As mulheres vão chegando e logo retiram os sapatos e sandálias, para com eles calçarem as mãos, enquanto procuram um lugar “menos pesado” na frente ou no “rabo” do clube.

É Vassouras no bairro de São José; o frevo tomando conta do mesmo Recife que o viu nascer, fazendo ferver as ruas que lhe serviram de berço. Ou como diria um homem do povo:
– É Vassouras que vem frevendo!...
– É Vaaaassouuuuras..... que vem frevendo!...

O vocábulo aparece pela primeira vez na imprensa em nove de fevereiro de 1907 (Jornal Pequeno), querendo significar marcha carnavalesca e dança, porém, o frevo pernambucano já reinava em nossas ruas movimentando as massas e animando os cordões carnavalescos desde os idos da segunda metade do século dezenove...

• Jornalista e escritor do Recife/PE

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