segunda-feira, 28 de maio de 2012

Surpreendente abertura

A Rússia, presumível herdeira da extinta URSS, e os EUA, as duas superpotências nucleares, antes antagonistas e que viviam de olho uma na outra, nos anos da Guerra Fria, para evitar um fatal ataque de surpresa do adversário, iniciaram, em 1991, impensável cooperação nesse sensível e ultra-secreto campo. Não sei se ainda perdura. Presumo que sim. Cientistas do mais avançado laboratório de pesquisas atômicas russo, o de Arzamas-16, trocaram (ainda vêm trocando?) informações, experiências e até realizando testes conjuntos com seus homólogos norte-americanos de Los Álamos, no Novo México. O programa envolvia só cientistas.

Mas isso não foi o mais surpreendente que ocorreu entre os antigos antagonistas (na verdade, convenhamos, inimigos). No início de 1996, o jornalista norte-americano John Barry, da revista "Newsweek", esteve nesse complexo nuclear russo, o mais antigo e provavelmente o mais avançado do país, até então tido como um dos lugares mais secretos do Planeta. Só o fato de haver sido admitida a sua visita já pode ser considerado promissor sinal dos novos tempos. Mais surpreendente ainda, porém, foi a permissão que teve de relatar o que viu e ouviu. Claro, com a visão jornalística e não a do pesquisador nessa matéria.

Mas... quem diria?! Esse complexo nuclear, no período de Stalin, tinha o duplo papel de ser, simultaneamente, um campo de trabalhos forçados e de abrigar o maior, mais sofisticado e mais secreto centro de pesquisa atômica da União Soviética. Nem mesmo membros mais graduados do governo e da cúpula do Partido Comunista da URSS sabiam o que se passava ali. Provavelmente, desconheciam não só sua localização e finalidade, mas até mera sua existência. Exceto, claro, seu mentor, o todopoderoso Josep Stalin.

Zhores Medvedev, mais conhecido como Roy Medvedev, faz um relato minucioso sobre a construção e objetivos (nada humanitários) desse centro de pesquisas. Basta ler seu livro “Um Stalin desconhecido”, para conhecer mais sobre Arzamas-16. Para tanto, ele recorre, em vários trechos, ao testemunho do físico nuclear e, posteriormente, dissidente do regime, Andrei Sakharov, que ali trabalhou por vinte anos e onde desenvolveu a bomba de hidrogênio soviética. Na sequência, tratarei a respeito desse cientista. Por enquanto, fico só na sua citação.

Medvedev afirma, em determinada passagem de seu livro: “Como Sakharov descobriria logo depois de dar início ao trabalho, os prisioneiros enviados para Arzamas-16, mesmo os que cumpriam sentenças curtas, praticamente não tinham a menor possibilidade de um dia recuperarem a liberdade”.

Em seguida, cita este trecho da autobiografia do físico nuclear, no qual ele menciona a questão: “As autoridades enfrentavam um problema difícil: o que fazer com os prisioneiros uma vez cumpridas suas penas. Eles poderiam revelar a localização das instalações, ainda consideradas ultra-secretas. (...) As autoridades encontraram para o problema uma solução simples, impiedosa e absolutamente ilegal: os prisioneiros libertados eram exilados em caráter permanente em Magadan e outros lugares onde não poderiam ficar contando histórias. Houve duas ou três deportações dessa natureza, uma delas no verão de 1950”.

Para que se tenha uma idéia da importância da visita do jornalista John Barry, da revista Newsweek, se isso ainda for necessário, basta destacar que Arzamas-16 é o local onde foi projetada a primeira bomba atômica soviética, que quando foi testada, em agosto de 1949, causou comoção no mundo e deu ensejo a um período denominado de "terror nuclear". Nessa fase, que terminou oficialmente em 31 de outubro de 1989, quando os então presidentes George Bush (pai), dos Estados Unidos, e Mikhail Gorbachev, da URSS, puseram fim, a bordo de um navio ao largo da Ilha de Malta, no Mar Mediterrâneo, à chamada Guerra Fria, várias vezes a humanidade esteve a pique de extinção.

Em diversas oportunidades, nesse período de tensos e instáveis 39 anos, o mundo escapou por muito pouco da destruição. Foi o caso da chamada "crise dos mísseis" soviéticos instalados em Cuba, em 1961. E não foi só. O ex-presidente Richard Nixon, por exemplo, confessou, de sua parte, antes de morrer, que esteve prestes a bombardear a União Soviética e que desistiu dessa ideia no derradeiro instante. Já imaginaram o que ocorreria se não desistisse? Certamente não estaríamos mais aqui! Não haveria mais civilização humana, como a conhecemos, e nem mesmo humanidade. É provável que ambos os países tenham decretado, pelo menos uma dezena de vezes, o "alerta nuclear", face a simples objetos estranhos surgidos nas telas de seus radares. Por pouco, muito pouco, um quase nada, portanto, o cenário mostrado no filme "The Day After" não se concretizou, com todo o seu horror e brutalidade.

A primeira bomba atômica soviética recebeu o codinome "Joe 1". A relação é óbvia. Tratou-se de alusão ao apelido dado pelo presidente norte-americano Franklin Delano Roosevelt a Joseph Stalin, quando ambos se reuniram na Conferência de Yalta, de 1944, em um clima de grande camaradagem, quando a Europa foi dividida entre os dois blocos ideológicos, às vésperas do final da Segunda Guerra Mundial.

Em Arzamas, por outro lado, reitero, foi projetada e fabricada a maior bomba de hidrogênio já elaborada em todos os tempos. Tinha a monstruosa potência de 100 megatons --- 100 milhões de toneladas de TNT. Os soviéticos não se atreveram a realizar um teste com um artefato tão poderoso, temendo as conseqüências que poderia ter, não apenas para o meio ambiente em seu território, mas para o próprio Planeta. Na explosão de prova, levada a efeito em Nova Zemlya, no Ártico, em 1961, a bomba utilizada tinha 50 megatons. Ainda assim era poderosíssima, a mais potente de todas já testadas por qualquer dos integrantes do chamado "Clube Atômico".

No complexo nuclear russo de Arzamas-16, visitado pelo jornalista norte-americano John Barry, da revista "Newsweek", o maior gênio da física da Rússia e quiçá de todo o mundo, Andrei Sakharov, trabalhou por vinte anos. Atualmente, este cientista é lembrado pela sua dissidência em relação aos rumos tomados pelo comunismo no período de Leonid Brezhnev. As pessoas bem informadas se lembram da punição que recebeu do Cremlin, com o exílio interno na cidade de Gorky, e o despojamento de todas suas condecorações.

O que muitos desconhecem, é que esse físico notável foi o "pai" da bomba de hidrogênio soviética. Seus estudos são avançadíssimos até para os dias de hoje, quanto mais para aquela época, início da década de 60. Em Arzamas-16 ainda estão guardadas suas anotações científicas e projetos de aplicação da energia atômica para fins pacíficos.

O nome histórico do local onde está Arzamas-16 é, como já referi (mas que não custa reiterar) Sarov, onde há um velho mosteiro ortodoxo, reconstituído recentemente e venerado por muitos russos, situado em uma das margens do Rio Satis, na bacia do Volga. Desde o fim da União Soviética, o laboratório de pesquisas foi rebatizado. Seu nome oficial, agora, é Centro Nuclear Federal da Rússia. Mas suas finalidades continuam sendo, na maior parte, militares. Só entre 10% e 15% das suas pesquisas têm fins pacíficos. Por isso pergunto: para quê, se de fato a Guerra Fria terminou? E para quê, se numa impensável guerra nuclear, não pode haver vencedores, pois as poderosas bombas extinguiriam toda a espécie de vida no Planeta, não apenas a humana? Sim, para quê?!!!

Boa leitura.

O Editor.

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2 comentários:

  1. Bastante inútil um país se armar até os dentes para uma guerra que não haverá vencedores.

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  2. Olá Pedro ! As duas perguntas suas no final do texto é muito pertinente. Acho que o que está em jogo é o poder. Cada um quer mostrar força, que é mais forte que o outro. Fazer prevalecer o poder, esse sentimento egomaníaco, que carrega em seu bojo toda graça insana e destrutiva.

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